Causas para queda na sindicalização
PACTU
Um dos maiores desafios do movimento sindical brasileiro é o de reverter a queda da densidade sindical, que decorre da menor taxa de sindicalização e da diminuição da cobertura sindical protetiva realizada por meio dos contratos coletivos de trabalho (acordos e convenções coletivas). Observa-se também esse fenômeno em vários outros países, onde é objeto de atenção e de iniciativas estratégicas das organizações sindicais que buscam revertê-lo.
Os fatores e causas que explicam esse fenômeno são debatidos por pesquisadores e dirigentes. A OCDE fez um amplo estudo[1] analisando o sistema de relações de trabalho nos 36 países que compõem essa organização. O estudo indica que houve queda na densidade sindical na maioria daqueles países nas últimas quatro décadas motivada, por um lado, pela redução da taxa de sindicalização, que era de 33% em 1975 e passou para 16% em 2018, e, por outro lado, pela diminuição da proteção sindical representada pelo contingente de trabalhadores protegidos por acordos coletivos, que passou de 45% em 1985 para 32% em 2017. Neste artigo vamos trazer as causas que motivam a queda da densidade sindical apontadas no referido estudo.
A análise comparativa entre os países da OCDE ressalta movimentos diferentes em termos de tendências, ritmo, intensidade e contexto de declínio da sindicalização, assim como observa que há países, em menor número, com resultados opostos, ou seja, aumento da densidade sindical. A heterogeneidade da evolução da taxa de sindicalização indica causas que remetem à combinação entre fatores globais e elementos específicos de cada país.
As causas que explicam a queda na densidade sindical nos países da OCDE, segundo a revisão da literatura realizada no estudo, são: a globalização, as mudanças demográficas na força de trabalho, a desindustrialização, o encolhimento do setor manufatureiro, a queda do emprego no setor público, a disseminação de formas flexíveis de contratos e mudanças normativas e institucionais.
A globalização pressiona severamente a competição entre empresas e gera dependência de investimentos externos estrangeiros para sustentar o crescimento econômico, restringindo a ampliação da capacidade produtiva instalada e a geração de empregos de qualidade, movimentos que atuam para enfraquecer a capacidade de organização e de negociação dos trabalhadores. A imigração é outro fenômeno da globalização e afeta a densidade sindical porque os trabalhadores estrangeiros se sentem ainda mais vulneráveis se estabelecerem qualquer relação sindical, com medo do desemprego, da denúncia e da perseguição. Perversamente, fora do sindicato, ampliam a sua desproteção.
As transformações na estrutura da economia produzem o encolhimento da indústria ou do setor manufatureiro onde há forte sindicalização. De outro lado, observa-se o crescimento do setor de serviços, onde os empregos precários e a menor sindicalização imperam. Isso fica ainda mais evidente diante do fechamento ou encolhimento de tamanho de grandes fábricas. A terceirização é outro fenômeno da globalização que reorganiza o sistema produtivo e gera exclusão da participação, representação e proteção sindical.
A queda do emprego público, no qual a estabilidade e o vínculo de longa duração contribuem para a sindicalização, é outro fenômeno que explica os números de queda da densidade sindical.
Interessante observar que a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho costumava ser apontada como uma das causas da menor propensão à sindicalização. Entretanto, estudos recentes evidenciam que houve redução na disparidade de gênero na sindicalização, observando-se inclusive uma inversão da situação em alguns países nos quais se observa maiores taxas de sindicalização entre as mulheres do que entre os homens.
Aventava-se também que uma maior escolaridade da força de trabalho poderia se desdobrar em uma menor sindicalização. Os estudos não corroboram essa hipótese explicativa.
Já a composição etária da força de trabalho é uma causa destacada para a queda na filiação sindical. Os jovens representam 7% do total de sindicalizados na área da OCDE e são os menos propensos a se sindicalizar em todos os países analisados. A taxa de sindicalização por idade segue a forma de U invertido, menor entre os mais novos e os mais velhos e maximizada na faixa dos 40 anos.
O contínuo ambiente de desvalorização social da negociação coletiva e da atuação sindical de organização e de representação proporciona um “aprendizado regressivo” durante o amadurecimento na vida laboral, que se manifesta na menor participação sindical, o que, por sua vez, enfraquece as formas coletivas de atuação. É durante a vida laboral, dia após dia, que os trabalhadores experimentam, descobrem e aprendem qual é o papel do sindicato. O intencional afastamento e desqualificação da atuação coletiva gera um efeito “bola de neve” no qual a diminuição da força da voz coletiva dos trabalhadores aumenta sua desproteção, precariza e gera insegurança, o que acaba afastando ainda mais os trabalhadores dos sindicatos, o que reduz ainda mais sua capacidade de representação coletiva.
Outro fator essencial que explica o fenômeno de queda na sindicalização é o avanço das mudanças nas formas de contratação, as formas atípicas de emprego como o meio período, o prazo determinado, o emprego temporário e de curta duração, os contratos mediados por agências de mão-de-obra, ou por plataformas e aplicativos, entre outros. Rotatividade, informalidade, menor permanência média nos empregos, resultam em menor sociabilidade nos locais de trabalho, o que limita ainda mais as oportunidades de vínculo sindical. Os indicadores são evidentes ao demonstrarem que os trabalhadores contratados fora do padrão de contrato de prazo indeterminado têm menor sindicalização.
Mudanças na gestão das empresas têm aumentado a resistência para a promoção de relações sindicais. Observa-se o uso de consultores externos para promover práticas e cultura antissindical, como a ameaça de fechamento de unidades locais de empresas ou de demissão de quem se vincular ao sindicato ou participar de suas atividades, entre outras. Ameaça e medo são vetores que atuam para a baixa sindicalização.
O uso de métodos de gestão orientado para medir desempenho individual, a remuneração baseada em incentivos individuais, a desvalorização da negociação coletiva e incentivo às tratativas individuais contribuem para o afastamento dos trabalhadores dos sindicatos e das tratativas coletivas.
Há também as deficiências nas estratégias sindicais para expandir sua base nos setores que ampliam a participação na economia ou para enfrentar os novos métodos de gestão das empresas. Muitas vezes a competição intersindical e a fragmentação da base de representação são causas que potencializam o declínio sindical. De outro lado, fusões que levam a um tipo de agregação de cúpula e com baixa presença no local de trabalho podem favorecer a um maior distanciamento dos trabalhadores em relação aos sindicatos.
Algumas reformas nas legislações nacionais têm desvalorizado a negociação coletiva, privilegiando a negociação por empresa ou individual em detrimento à contratação setorial. Outras reformas intencionalmente dificultam o trabalho de sindicalização.
Mudanças institucionais que retiram dos sindicatos seu papel na promoção de políticas públicas, como na previdência social, saúde e segurança, políticas de proteção dos empregos, também motivam movimentos de distanciamento dos trabalhadores dos seus sindicatos.
Métodos de gestão empresarial de maior participação de um lado e, de outro, políticas públicas mais protetivas e universais (garantia de emprego, salário mínimo, benefícios coletivos e públicos) podem “retirar” atribuições dos sindicatos, o que pode contribuir para maior distanciamento dos sindicatos no contato cotidiano com os trabalhadores.
Todos esses fenômenos precisam ser considerados em uma reflexão crítica e propositiva para compreender, em cada contexto situacional do país, o fenômeno da queda da densidade sindical. O desafio é elaborar e desenvolver estratégias consistentes para recolocar a centralidade do papel da negociação coletiva para a regulação das relações e condições de trabalho, e dar sentido e significado ao trabalho sindical para enfrentar as mudanças no mundo do trabalho e proteger a democracia em cada país.
Nota[1] OCDE (2019), “Negotiating Our Way Up: Collective Bargaining in a Changing World of Work”, OECD Publishing, Paris, disponível em: https://www.oecd.org/employment/negotiating-our-way-up-1fd2da34-en.htm
Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho da Oxfam Brasil e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).
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