Crônica, admirada desde o tempo do imperador

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Crônica, admirada desde o tempo do imperador
A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) está realizando um concurso de crônicas em homenagem aos 40 anos da Central Única dos Trabalhadores. Este texto serve de apoio e orientação aos participantes.
Nascida com o jornal diário, ela registrou os principais lances da história do país desde então

Características

A crônica é um texto que só existe nos limites entre a literatura e o jornalismo. Há quem a chame de jornalismo literário, há quem prefira descrevê-la como literatura jornalística. Se não é o mesmo, é quase igual, mas a partir dessa elegante polêmica, já é possível começar a entender o que é esse gênero de texto, consensualmente visto como despretensioso.

Do jornalismo, traz a extensão sempre breve, a temática factual, a ligação com a atualidade, a objetividade na narrativa e, via de regra, a publicação em um periódico, em especial jornal ou revista. Da literatura, incorpora a liberdade criativa para o desenrolar do texto (que relativiza a mencionada objetividade jornalística), a possibilidade de uso de linguagem figurativa (como metáforas e alegorias), a criação de personagens ficcionais para se mesclarem a situações reais (que o jornalismo não comporta) e a forma livre, que o mais das vezes se aproxima do conto, que é genuinamente literário.

Ao mesmo tempo, a crônica rechaça elementos tanto de um como da outra. Da notícia, por exemplo, ela se livra do relato puro e direto do fato, mas agrega a ele opinião, análise e mesmo vínculos com lembranças pessoais de seu autor. Da arte das letras, não é afeita a se prender a abordagens apenas existenciais, atemporais ou reflexivas. De tudo isso, porém, ela consegue acomodar pelo menos um pouco, e às vezes abusa de uma coisa ou outra, e acaba saindo até na forma de um poema, por exemplo, e manda às favas toda e qualquer argumentação ou teoria que tente defini-la.
 

História

Sua trajetória consolidou essa natureza híbrida, sempre na fronteira entre jornalismo e literatura, ao longo de décadas, período em que se tornou um dos mais importantes espaços culturais para o debate de questões nacionais. Como a conhecemos hoje, a crônica ganhou formas ao longo da história do jornalismo diário, mais ou menos na metade do século XIX, como um rodapé de página, com tom mais leve que os massudos textos sobre economia e comércio, que dominavam os jornais do Rio de Janeiro, a corte do Segundo Império. Era um respiro ao leitor, equivalente às páginas de arte, cultura e variedades dos nossos dias.

Da origem coladinha ao jornal diário, que, em nossa terra, nasceu como típico instrumento de difusão dos ideais do liberalismo, a crônica consolidou sua vocação para tratar de questões cotidianas, urbanas, atuais e que afetam o indivíduo por viés universal, ou seja, com alcance a toda a sociedade. No fundo, ela supõe um narrador que conta eventos e sentimentos pessoais que se aplicam a todos que vivem no mesmo espaço que ele. Dessa particularidade, nasceria uma paixão entre público e cronista que só aumentaria, ano após ano.

Desde aqueles tempos de D. Pedro II até umas boas décadas do século XX, quando o Brasil padecia de um analfabetismo estrutural muito mais agudo que o das últimas décadas, os poucos fazedores de textos do país tinham o jornal como o único meio estável para publicar suas produções. Da mesma forma, era nele que os restritos leitores encontravam sua fonte quase exclusiva de leitura rotineira. Essa conjuntura – de o jornal ser a grande possibilidade de publicação de artigos, análises e reflexões sobre a realidade brasileira – transformou em cronistas grandes nomes da literatura e do pensamento nacional.
 

Clássicos

Ao longo de décadas, nomes como José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, João do Rio, Lima Barreto, Antônio de Alcântara Machado, Di Cavalcanti, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Otto Lara Resende, Antônio Maria, Rubem Braga, Chico Buarque e tantos outros, discutiram temas fundamentais à formação do pensamento brasileiro, como escravidão, analfabetismo, educação, império, república, literatura, jornalismo, imigração, industrialização, independência do país, ditadura militar, cinema, futebol, atraso econômico, pobreza… e a lista não tem fim.

Em matéria recente, a propósito do mês da Consciência Negra de 2022, por exemplo, o portal da Contraf-CUT publicou uma reportagem sobre como vários escritores brasileiros abordaram o tema da escravidão, e entre os autores mencionados, dois deles, Machado de Assis e Olavo Bilac, foram citados pelo debate que desenvolveram em suas crônicas.
 

Arte perene

Línguas maledicentes costumam dizer, desde os tempos em que as notícias chegavam ao leitor de forma impressa, que os jornais são sempre arrogantes, com argumentações e opiniões sobre tudo, mas que na verdade têm vida curta e já no dia seguinte servem mesmo pra embrulhar peixe na feira ou então enxugar o chão da cozinha.

Ainda que fosse verdadeira, essa maldição não atingiria a crônica, pois enquanto os demais textos publicados se perderiam naquela descrição maldosa do destino dos jornais, ela tradicionalmente vem se mantendo viva, ao migrar para as páginas dos livros, para acrescentar muito charme à obra de autores clássicos do país. Por isso, é fácil conhecer muitas crônicas, até as mais antigas, dos mais importantes escritores, seja nas bibliotecas ou mesmo em páginas na internet.

O gênero também atraiu a atenção de grandes estudiosos do Brasil e sua arte e cultura, como Joaquim Ferreira dos SantosDavi Arrigucci Jr. e Antonio Candido, entre tantos outros. Candido, um dos mais respeitados sociólogos e críticos de arte que já tivemos, em seu notável, breve e abrangente “A vida ao rés do chão”, descreve e analisa a forma, a história e as particularidades da crônica – leitura obrigatória para quem deseja conhecê-la, entendê-la ou escrevê-la.

Fonte: Contraf-CUT

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