Jurista abandona o direito e adota Freud para entender a sentença de Moro
PACTU
Em artigo publicado no livro disponível para download Comentários a uma sentença anunciada – o processo Lula, a jurista Cristiane Brandão, professora adjunta de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deixa a jurisprudência penal e processual de lado. Em vez disso, busca esclarecer se o juiz Sérgio Moro, na cruzada contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está ou não participando de uma “guerra jurídica”, fato que o juiz nega com todas as letras no texto da sentença que condena o ex-presidente a nove anos e meio de prisão.
"Ganha relevo a dedicação de inúmeras páginas da decisão de Sérgio Moro para negar tal estado bélico, sem ao menos problematizar seu significado ou expor o conceito adotado pelo Juízo quanto a este termo. Parte-se de uma premissa freudiana de que a negação tem muito a nos dizer", afirma a professora.
Na sentença, Moro tenta desmontar a narrativa do lawfare – uso abusivo de leis com finalidades políticas –, sustentada pela defesa de Lula. O conceito, introduzido nos anos 1970, revela a postura comum de juízes e outros agentes do direito nos casos em que a lei é usada por como arma de guerra política, para atacar o inimigo e desfazer sua reputação. A professora destaca que Moro assume um tom defensivo na sentença, o que é um indicador da fragilidade de sua argumentação.
“Citando episódios fatídicos determinados por ele – como condução coercitiva, buscas e apreensões, quebras de sigilo, divulgação de áudios –, sem mesmo mencionar as alegações da acusação, o discurso transparece a adoção inconsciente da polarização Lula-Moro tão bem esculpida pela mídia e tão bem assimilada pela doxa”, diz a jurista, revelando o aspecto do inconsciente do juiz que se mostra na sentença.
A questão da negação foi teorizada por Freud. Quando o sujeito, no caso Moro, insiste demais na negação ele acaba afirmando aquilo que está negando. “Freud mostra a importância do sentido da negação na origem psicológica da função intelectual do juízo já que, ao negar algo, de fato, o sujeito está afirmando que se trata de uma relação de sentido que preferia reprimir”, diz ainda a professora.
Mais adiante, a professora discute o conceito de “guerra jurídica”, mostrando como as implicações políticas permeiam as ações humanas, e como a própria política é circunscrita na noção de “guerra”. No caso do enfrentamento de Lula por Moro, trata-se, segundo a professora, de tentar sujeitar o inimigo, por meio do estado de exceção, a uma padronização de subjetividade, para suprimir aquilo que é diferente, principalmente em relação ao paradigma conservador que dá o tom das manifestações da mídia e da Justiça ao longo da operação Lava Jato.
Recorrer ao expediente psicanalítico para compreender as decisões de Moro não é ato isolado da professora da UFRJ no livro. A jurista Claudia Maria Barbosa, professora titular de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), também argumenta em relação ao recurso da negação adotado por Moro para justificar a sentença: “Na decisão objeto de análise, utiliza-se de expressões escritas em profusão de forma negativa, de maneira a dissimular a fragilidade das provas que não corroboram os argumentos (premissas) utilizados pelo magistrado”.
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