Fila do Bolsa Família é 7,6 vezes maior do que diz o governo Bolsonaro
PACTU
Quase 500 mil. Esse é o número de famílias que, apesar de inscritas e aptas a receber o Bolsa Família, não conseguem o benefício. Mas a demanda reprimida é ainda maior. E muito: 7,6 vezes maior. Segundo um levantamento do governo de Pernambuco obtido com exclusividade por CartaCapital, 3,8 milhões de famílias pobres ou miseráveis estão fora do programa.
São núcleos em situação de pobreza (com renda mensal per capita de 178 reais) ou extrema-pobreza (até 89 reais per capita/mês), com perfil no CadÚnico, o banco de informações sobre as famílias de baixa-renda no País. “Nossa pesquisa abarca famílias que poderiam receber o benefício, mas não recebem”, explica Shirley Samico, coordenadora responsável pelo estudo.
Já a estimativa do Ministério da Cidadania leva em conta dados do Censo de 2010, já defasado em população e faixa de renda dos lares considerados pobres (à época, até 154 reais por cabeça). A partir desses dados, completa Shirley, o governo estabelece um teto a cada município.
Em Pernambuco, por exemplo, esse teto é 1 milhão de famílias pobres ou miseráveis. Mas, com o aumento populacional, empobrecimento e a revisão da renda, essa parcela chega hoje a 1,3 milhão.
Do total de famílias desassistidas, 37% vivem na região nordeste. Apesar disso, apenas 3.035 dos benefícios (0,23% do potencial) liberados em janeiro saíram para moradores na região. No Sul, onde a necessidade é menor tanto em números quanto em proporção, esse percentual se aproxima dos 10%. Quase 30 mil famílias foram beneficiadas. No Centro-Oeste foram 6,4%.
“Isso mostra que o governo federal vem administrando a política social de forma desigual”, lamenta Joelson Rodrigues, secretário-executivo de Assistência Social de Pernambuco.
O Bolsa Família atende hoje 13,1 milhões de lares, menor patamar desde 2011. O governo alega falta de recursos e descoberta de fraudes em “pentes-finos”. Só no ano passado, houve um corte de 1,3 milhão de beneficiários.
É normal que, mês a mês, flutue o número de famílias em processo de inclusão, exclusão e manutenção. Há cinco meses, porém, a concessão de novos benefícios cessou.
Desde 2016, o número de excluídos por “pentes-finos” quase dobrou. Já as saídas voluntárias permaneceram estáveis. Segundo o IBGE, há 13,5 milhões de brasileiros vivendo com menos de 145 reais por mês, um recorde. As portas do programa mais barato e eficiente contra a pobreza, contudo, se fecharam.
Dados sob suspeita
O Ministério da Cidadania tentou— por meses — esconder de deputados e da imprensa o tamanho dessa fila. Após determinação da CGU, a pasta informou via Lei de Acesso à Informação que existem 494.229 famílias “habilitadas após a concessão”. Trata-se, porém, de uma média anual. Até abril a fila era considerada zerada.
No dia 3 de outubro, durante um evento promovido pelo jornal Diário de Pernambuco, o ministro Osmar Terra disse que 700.000 famílias aguardavam entrada no programa. Àquela altura, a concessão de novos benefícios já havia estacionado.
“Eu desafio o governo a comprovar esses dados”, provoca a economista Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma. Ela estima que o tamanho real da fila dos desassistidos chegue a 1,5 milhão. “Essas informações são fáceis de processar. O único motivo para demora é tentar esconder a tragédia”, completa ela.
Até maio, eram aprovados em média de 260 mil novos benefícios por mês. Levando em conta que essa seja a demanda próxima da média, e que tenha se mantido nos meses subsequentes, pode-se inferir que ao menos 780.000 famílias engrossaram a espera pelo Bolsa Família nos meses de outubro, novembro e dezembro. Uma fila de quase 1,5 milhão de famílias desassistidas.
Outro lado
O Ministério da Cidadania não respondeu aos questionamentos de CartaCapital. Em caso de retorno, a reportagem será atualizada.
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