Com 33 milhões de famintos, o Brasil vive um retrocesso inédito no mundo

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Com 33 milhões de famintos, o Brasil vive um retrocesso inédito no mundo

Segundo o IBGE, 52,7 milhões de pessoas vive em situação de pobreza ou pobreza extrema

Por Joel Guedes *

Queda na qualidade dos alimentos disponíveis para consumo, aumento no preço dos alimentos, redução de salários ou perda de fonte de renda, aumento da pobreza e desabastecimento por questões climáticas. Esses são alguns problemas que têm assustado milhões de pessoas em todo o mundo, mas principalmente no Brasil. Nos últimos anos, os novos dados sobre a insegurança alimentar no país são assustadores.

A mais recente pesquisa sobre a fome no Brasil foi realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução do Instituto Vox Populi e em parceria com Oxfam Brasil, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Brasil, Ibirapitanga e Sesc. Ela indicou, em dezembro de 2021, que 19,1 milhões de brasileiros não tinham o que comer. O estudo foi realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do Brasil, tanto em áreas urbanas como rurais. A entidade também concluiu que de cerca de 116,8 milhões de pessoas estão em algum grau de insegurança alimentar. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) classifica como insegurança alimentar o fenômeno que ocorre quando um indivíduo não possui acesso físico, econômico e social a alimentos de forma a satisfazer as suas necessidades. Essa insegurança é classificada nas formas crônica ou apenas temporária, e se divide em três tipos ou níveis: leve, moderada ou grave.

A ONG Ação da Cidadania revela outros números: que 33 milhões de pessoas passam fome no país, que o número de famintos cresceu 14 milhões em um ano, que 6 em cada 10 domicílios liderados por mulheres enfrentam algum grau de insegurança alimentar e que apenas 4 a cada 10 famílias têm acesso pleno à alimentação. A ONG Ação da Cidadania foi criada pelo sociólogo Herbert de Sousa, conhecido como Betinho (1935-1997), que foi um dos ícones do combate à fome no Brasil. As estatísticas apresentadas pela Ação da Cidadania levam em conta os levantamentos feitos pelos comitês que a entidade possui em todos os estados, que organizam milhares de comunidades na luta por direitos sociais, começando pelo direito à alimentação. Já o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) e o Banco Mundial afirmam que um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza ou pobreza extrema. Hoje, o único programa de transferência de renda para a população mais pobre é o Auxílio Brasil, no valor de R$ 600 mensais, apenas até dezembro de 2022. Mesmo assim, o programa só atende 20,3 milhões de famílias.

A situação já foi melhor

Dados mais recentes, também divulgados pela rede Penssan, mostram que a situação piorou muito desde a publicação dos primeiros dados, em 2021. As razões são conhecidas: aprofundamento da crise econômica, segundo ano da pandemia de covid-19 e a continuidade do desmonte de políticas públicas que promoviam a redução das desigualdades sociais da população.

Durante vários anos, o Brasil não ouviu falar em fome, miséria ou pobreza. Um dos responsáveis por isso foi o Programa Fome Zero, criado pelo governo federal em 2003, na gestão do ex-presidente Lula. Era um projeto suprapartidário, desenhado originalmente como um programa de distribuição de cupons para troca por alimentos, substituído depois pelo Bolsa Família, cujo nome passou a designar uma estratégia de segurança alimentar. As iniciativas pavimentaram a saída do Brasil do Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação da Agricultura) em 2014. O cenário mudou a partir de 2015, com a escalada inflacionária, a ausência de recomposição do valor de benefícios sociais e um desmonte das políticas de proteção social.

Um dos criadores do Fome Zero e um dos principais pesquisadores em segurança alimentar no Brasil, Walter Belik, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, afirma que o Brasil está numa situação de retrocesso inédito no mundo. “Somos o único país do mundo a sair do mapa da fome e depois entrar de novo”, e conclui que, se o país já provou que o problema da fome tem solução, mas voltou a vivenciar uma situação de negação e ausência de medidas efetivas de proteção social, o motivo está nas escolhas políticas.

* Joel Guedes é jornalista e editor do jornal Pactu

Fonte: Pactu

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