CMN: Governo e BC se reúnem pela primeira vez em meio a disputa sobre juros e inflação
PACTU
Conselho Monetário Nacional pode alterar plano sobre controle de preços para flexibilizar Selic e busca crescimento
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), encontram-se nesta quinta-feira (16) com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, naquela que será a primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) desde a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O CMN é o colegiado que estabelece as diretrizes da política monetária e de crédito do país. Sua reunião virou foco da imprensa neste início de novo governo porque ele também define as metas de inflação para a economia. Influencia, portanto, na taxa básica de juros, a Selic, e o ritmo do crescimento –temas de um acalorado debate público travado pelo presidente Lula e Campos Neto nos últimos dias.
Lula ganhou a eleição prometendo a volta do crescimento. Ele, contudo, tem reclamado que o atual nível da Selic no país – 13,75% ao ano – atrapalha essa retomada.
Segundo ele, com juros nesse patamar, fica mais caro para o empresário investir e o consumidor financiar bens. Ou seja, a economia não cresce.
Campos Neto, por sua vez, tem argumentado que a Selic chegou onde está para tentar conter a inflação. O BC é o órgão estatal responsável pelo controle dela. Para isso, usa, principalmente, a taxa básica de juros, justamente para frear consumo e investimentos.
Em meio a esse debate econômico, cresceu a pressão política sobre Campos Neto. Um manifesto assinado por diversos economistas como André Lara Resende, um dos “pais” do Plano Real, foi lançado cobrando juros mais baixos. A bancada na Câmara do PT aderiu a uma campanha com críticas ao BC. O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, chegou a pedir a renúncia de Campos Neto.
E, neste cenário, é que Campos Neto – nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com mandato até 2024 – se reúne com ministros de Lula.
O que esperar?
A pauta da reunião do CMN não é pública. Ela é definida pelo presidente do colegiado, o ministro da Fazenda, cargo ocupado hoje por Haddad.
Existe uma expectativa – ainda que baixa – de que o encontro possa rever as metas de inflação estabelecidas durante o governo Bolsonaro para este e os próximos anos. Deixando as metas mais brandas, o BC não precisaria de juros tão altos para conter preços.
Dados da inflação de janeiro apontam que, em 12 meses, ela acumula alta de 5,77%. A meta do CMN para o final de 2023 é de 3,25%, podendo chegar a 4,75%.
Para 2024, ela é ainda mais baixa: 3%, podendo chegar a 4,5%.
Para Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), esses índices estipulados são incompatíveis com a realidade nacional. Por isso, ele defende uma alteração, apesar de não crer que ela seja feita nesta quinta.
“Eu entendo que seria positiva essa mudança na meta porque ela é hoje muito baixa”, disse ele. “Essa meta enrijece demais a política monetária que o BC precisa praticar.”
“As metas para 2023 e 2024 são irrealistas e desnecessariamente baixas, mas não acredito que sejam alteradas”, ratificou Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Haddad não tem falado sobre mudanças de metas. Já disse que o ideal é que a inflação caminhe para os índices já pré-definidos.
Campos Neto, por sua vez, afirmou ser contra a mudança em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (14). O presidente do BC deu sinais de que admite “aperfeiçoamento” nesse regime de metas. Contudo, ponderou que mexer nisso neste momento pode trazer prejuízos.
“Se a gente fizer uma mudança agora, sem um ambiente de tranquilidade em que se está atingindo a meta com facilidade, o que vai acontecer é que você vai ter um efeito contrário ao desejado”, afirmou ele.
“Alterar a meta seria dizer aos agentes econômicos que o governo vai ser mais flexível com inflação e isso poderia piorar expectativas”, explicou Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), que também não acredita na mudança.
Dúvida atrapalha
Oliveira destaca que só a discussão sobre a meta já causou certo “mal-estar” em agentes do mercado financeiro que demandam um compromisso do governo com a estabilidade financeira e também o controle de suas contas.
Weiss concorda que o debate sobre os juros, inflação e o BC acaba criando certos “ruídos”. Ele pontuou, porém, que pior ainda é se os “ruídos” forem criados e nada for alterado.
Para ele, se o governo tem mesmo a intenção de alterar as metas de inflação, deveria mudar já. Opositores da medida iriam reclamar, mas se adaptar. Já o ambiente econômico do país seria beneficiado por taxas de juros menores.
"A expectativa em si não é boa porque ela gera incerteza”, explicou. “Agora, o que importa é se vai ter mudança mesmo. Se tiver a mudança, ela compensa a incerteza.”
Deos também diz que conviver com os altos juros é pior que conviver com as críticas de quem é contra alterar a meta. “Esse ‘jogo de expectativas’ está bastante exagerado”, disse ela.
“Economia não é mercado financeiro em que se ganha e se perde com base em antecipar o que a média dos outros aplicadores vai fazer. Isso afeta no curto prazo a cotação do dólar e de ações. Mas pouco tem a ver com a vida real das pessoas.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Deixar comentário