Conferência Livre de Saúde Mental aprova propostas e elege delegados para evento nacional
PACTU
Com o mote “Adoecimento & Trabalho Bancário: a função antissocial dos bancos”, a Conferência Livre de Saúde Mental ocorreu nessa terça-feira (26), de forma híbrida, no auditório do SindBancários e também virtualmente. Promovido pelo Sindicato e pela Fetrafi-RS, o evento contou com a participação de centenas de trabalhadores, que elegeram delegados e aprovaram propostas para levar à Conferência Nacional de Saúde Mental.
A Conferência teve como objetivo reunir subsídios para demonstrar que muitos dos motivos do adoecimento generalizado da categoria estão no modelo gerencial do sistema financeiro. A ideia é mostrar como a violação a princípios constitucionais e legais, sobretudo aqueles estampados na Constituição de 1988 e na Lei 8.080/1990, tem permitido a institucionalização de práticas de exceção na gestão dos bancos, com repercussões contundentes na saúde mental de bancários e bancárias.
A mesa de abertura do evento foi formada pelo presidente do SindBancários, Luciano Fetzner; pela coordenadora do Departamento de Saúde, Jacéia Netz; pela diretora de Saúde do Sindicato, Jamile Chamun; pela diretora de Saúde da Fetrafi-RS, Raquel Gil; e pelo secretário de Saúde Contraf-CUT, Mauro Salles.
O presidente do Sindicato ressaltou o trabalho histórico da entidade na defesa da saúde dos trabalhadores, buscando combater o adoecimento gerado pela gestão dos bancos. “Essa é uma luta permanente. E, assim como nós conseguimos ter essa força, do lado dos trabalhadores, para combater, os empresários, a classe dominante, o capital, o sistema vivem se reinventando para criar novas formas de passar por cima das pessoas, de esmagar e tirar tudo que as pessoas têm para gerar lucro, independentemente da saúde”, afirmou.
O adoecimento psíquico atinge trabalhadores de todas as categorias, mas, entre bancários, tem sido algo ainda mais elevado, segundo a coordenadora do Departamento de Saúde do Sindicato. Assim, ela considera fundamental a participação de uma delegação do setor na conferência nacional sobre o tema. “A gente vai estar discutindo a questão da saúde mental, que é o principal problema de saúde pública hoje. Nós poderemos participar ativamente do processo da elaboração e implementação de políticas públicas no campo da saúde mental”, destacou.
A diretora do Departamento de Saúde comentou sobre o alto índice de doenças mentais na categoria. “Nós temos que responsabilizar aqueles que nos adoecem, que são os bancos. Então é muito importante a gente conversar hoje sobre o papel antissocial que os bancos estão fazendo, de forma ampla, tanto bancos privados quanto públicos, e sairmos daqui com o maior número de propostas e delegados possível”, disse.
Para a diretora de Saúde da Fetrafi-RS, é fundamental entender os processos que estão levando os bancários ao adoecimento. “O adoecimento mental não é algo da individualidade, o resgate da nossa subjetividade é algo feito pela sociedade. No caso dos trabalhadores é algo feito com a organização da ordem de trabalho que nos é imposta. Então nós não podemos nos isolar, o debate tem que ser feito por todas e todos, e é por isso que estamos levando o debate da saúde mental dos trabalhadores bancários para a conferência nacional”, salientou.
Dentro do debate sobre saúde mental, o secretário de Saúde da Contraf-CUT falou sobre a campanha “Menos Metas, Mais Saúde”, que busca dar visibilidade a um problema grave que tem ocorrido na categoria, com nível de adoecimento psíquico preocupante e que tem relação direta com a gestão das empresas. Para ele, a pressão por resultados, o assédio moral e os programas de avaliação têm levado bancários e bancárias a desenvolver problemas psicológicos, prejudicando o trabalho e a vida dos trabalhadores.
Salles destacou que esta luta deve ser prioridade do movimento sindical bancário e que o debate deve ser feito com toda a sociedade, para que o problema seja revertido. “Não é possível que tenhamos colegas adoencendo, com índice de suicídio enorme, sendo que o adoecimento, o sofrimento e as mortes são evitáveis. Precisamos que as instituições responsáveis por promover saúde e fiscalizar os ambientes de trabalho ajam. Não podemos deixar de ter a capacidade de nos indignar com o que está ocorrendo, especialmente na nossa categoria, e não podemos banalizar o problema. Precisamos, juntos, organizados, enfrentar essa situação”, opinou.
Adoecimento psíquico sob a perspectiva coletiva
Após as falas de abertura, foi realizado um debate sobre as causas do adoecimento psíquico dos trabalhadores, a partir de uma perspectiva coletiva, não individual, com André Guerra, psicólogo, doutor em Psicologia Social e Institucional, e assessor técnico do Departamento de Saúde do SindBancários e da Fetrafi-RS, e Maria Maeno, médica, doutora em Saúde Pública e pesquisadora da Fundacentro, que participou de forma remota.
Em sua experiência como psicólogo no atendimento a bancários e bancárias, Guerra afirmou ver uma limitação nas intervenções realizadas no âmbito da saúde. “A gente identifica a pessoa que adoeceu e intervimos sobre o adoecimento individual. Essa perspectiva é importante, útil, mas não é suficiente. Chamamos isso de ‘enxugar gelo’, a gente eventualmente cura aquela pessoa, mas o colega dela amanhã vai ser quem vai adoecer”, contou.
Para Guerra, o adoecimento psíquico precisa ser tratado de forma mais ampla, pois possui causas determinantes, que não estão vinculadas apenas ao indivíduo, mas sim perpassam toda a organização da sociedade capitalista e, de uma forma mais imediata, a gestão dos bancos, empresas e corporações que organizam o trabalho. Ele questionou a função dos bancos na sociedade. “Dentro da sociedade brasileira, uma sociedade desigual, violenta, sustentada por um trabalho precarizado, o sistema financeiro desempenha uma função social? E, se não desempenha, essa ausência de função social faz parte desse adoecimento, que não é só da categoria bancária”, ressaltou.
Guerra acredita que a função antissocial dos bancos repercute de forma direta nos bancários, mas, de forma indireta, em todos os trabalhadores. “A precarização do trabalho que a gente vê em todos os âmbitos da nossa sociedade é motivada e movimentada pela racionalidade do sistema financeiro. O neoliberalismo é o domínio dos bancos sobre a organização do trabalho”, afirmou.
Em sua fala, Maria Maeno fez uma análise sobre a organização social, a hegemonia do sistema financeiro e os impactos na vida e na saúde dos trabalhadores. Ela destacou o rentismo presente de forma massiva na sociedade, afetando tanto empresas quanto a população, gerando endividamento e dividendos em função de empréstimos com juros exorbitantes por parte dos bancos
Para a pesquisadora, o adoecimento físico e psíquico é crescente na categoria bancária e também nas demais, mas as notificações do SUS e da Previdência social não mostram dados compatíveis com o sofrimento dos trabalhadores. Ela denunciou que muitas empresas fraudam a previdência, ocultando informações sobre vítimas de doenças relacionadas ao trabalho, enquanto obtêm bônus nas alíquotas a serem pagas à previdência
Conforme Maria, a instituição do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), em 2006, ferramenta usada nas perícias médicas do INSS, teve efeito imediato, identificando quais doenças estão relacionadas estatisticamente com a prática de uma determinada atividade profissional. Com isso, houve esperança de que fosse possível obter estatísticas mais fidedignas sobre o número de adoecimento de trabalhadores. Entretanto, conforme ela, a ferramenta não é utilizada. “Se montou um processo de sabotagem da aplicação do nexo técnico epidemiológico por parte das empresas com conivência do INSS”, afirmou.
Maria comentou ainda sobre a Portaria 38 do Ministério da Saúde, que condiciona a possibilidade de concessão de auxílio-doença de natureza acidentária por análise documental, sem necessidade de perícia, à emissão do Comunicado de Acidente do Trabalho (CAT) somente pelo empregador. Após agenda com representantes da Contraf/CUT e sindicatos de bancários, incluindo o SindBancários Porto Alegre e Região em Brasília, em 23 de agosto, o Ministério da Previdência Social atendeu o pedido do movimento sindical e alterou a portaria que reconhecia apenas CATs emitidas pelo empregador nos casos de perícia documental. Agora, passa a exigir apenas a emissão do comunicado, sem distinção de autoria.
No que se refere à realidade da categoria bancária, a pesquisadora falou das dificuldades enfrentadas com as mudanças nas últimas décadas, como a redução do número de trabalhadores. O uso de novas tecnologias, por exemplo, que deveria otimizar e facilitar o trabalho, contribuiu para demissões e terceirizações. Também dificultou a delimitação de trabalho e o tempo fora do trabalho.
“Os bancários não conseguem se desligar do trabalho, com exigências que não conseguem cumprir. Frequentemente não têm hora pra comer, vivem com medo de adoecer, serem discriminados, perderem cargos, comissionamentos, serem demitidos. Os que trabalham em agências têm ainda medo de assaltos. Com isso, proliferam as diferentes formas de desgaste físico e psíquico”, alertou Maria.
A questão das metas, cada vez mais elevadas, das avaliações de desempenho individuais, de jornadas mais longas, são fatores preocupantes, que contribuem para o adoecimento dos trabalhadores, “com práticas de assédio organizacional como método de gestão”, destacou a doutora. Esses fatores contribuem para o individualismo, a competição entre colegas e o isolamento.
Quatro propostas foram aprovadas
Depois do debate, houve a apresentação de quatro propostas, que foram aprovadas pelos presentes:
Proposta 1 – Considerando que a Constituição Federal assegura a proteção ao meio ambiente, neste incluído o ambiente de trabalho, as entidades sindicais devem ser reconhecidas e integradas ao SUS como parte ativa da rede de vigilância, assistência, reabilitação, promoção e formação em saúde mental.
Proposta 2 – Considerando o crescimento dos dados de trabalhadores adoecidos pelo trabalho e da precarização das relações socioprofissionais, as entidades sindicais que tenham profissionais técnicos habilitados devem poder efetivar encaminhamentos diretos para a rede de saúde pública mental (CAPS).
Proposta 3 – Considerando o contato dos sindicatos com a realidade imediata dos contextos de trabalho, deve ser definido um sistema de notificações nacional em que as entidades sindicais sejam parte e reconhecidas como agentes notificantes de riscos e agravos à saúde, com o dever de reportar incidentes, acidentes, doenças ou outras situações relevantes para a saúde mental.
Proposta 4 – Considerando que os sindicatos mantém negociação permanente com as empresas, podendo inclusive propor mudanças na organização do trabalho para integração e oportunidade igual para todos, em especial as pessoas com deficiência (PCD) e com transtornos de neurodesenvolvimento ou aprendizagem, as entidades sindicais devem ser capacitadas e reconhecidas como agentes notificantes do descumprimento dos direitos destas pessoas no mercado de trabalho e ser integradas na formulação, execução e avaliação de políticas públicas, a exemplo da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, instituída pela Lei 12.764/2012 e da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) a ser instituída pelo PL 2630/21.
Também foram eleitos os delegados para compor a delegação, formada por representantes de bancários dos três estados da região Sul, que irá representar a categoria na 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. O evento será realizado de 11 a 14 de dezembro, em Brasília (DF), com o tema “A Política de Saúde Mental como Direito: Pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços da atenção psicossocial no SUS”.
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