Previdência privada: um péssimo negócio
PACTU
Estudiosos alertam para os valores incrivelmente baixos pagos pelos planos complementares em relação aos concedidos atualmente pela Previdência Social, e os riscos de se investir durante décadas em instituições sujeitas às oscilações da economia.
As mudanças propostas pelo governo de Michel Temer nas regras para aposentadoria forçaram uma corrida dos brasileiros em direção aos planos de previdência privada. Em um ano de profunda recessão econômica e aumento do desemprego, os aportes somaram R$ 114,72 bilhões entre janeiro e dezembro de 2016, crescimento de 19,93% em relação a 2015, quando foram aplicados R$ 95,65 bilhões. Os dados são da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida).
Um péssimo negócio, segundo especialistas. As diferenças entre os valores dos benefícios pagos pelos planos privados e os concedidos pela Previdência Social são “monumentais”, alerta o estudioso em Previdência e ex-presidente da Associação Nacional dos Participantes do Fundo de Pensão (Anapar) José Ricardo Sasseseron. Ele elaborou um estudo comparando o benefício de aposentadoria concedido pela previdência social pelas regras atuais com a renda que receberia se contribuísse com os mesmos valores para a previdência privada (veja tabela acima).
Sasseron destaca, ainda, o risco de uma relação tão duradoura com uma empresa de previdência privada. Ele ressalta que a Previdência Social é assegurada pelo Estado e pela Constituição por meio de impostos e contribuições, ao contrário dos planos de previdência complementar que não oferecem o mesmo tipo de garantia.
“A garantia é o contrato com o banco. O problema é que a pessoa vai poupar durante 35 anos e depois receber o benefício durante 20, 30 anos. Quer dizer, vai ter uma relação de 50, 60 anos com o banco, e aí cabe a seguinte pergunta: quantas empresas com mais de 60 anos de existência existem no Brasil? Dá para confiar?”, questiona Sasseron.
Vulnerável a crises – “A previdência privada não dá segurança nenhuma, porque os bancos estão sujeitos aos riscos da economia”, reforça Denise Lobato Gentil, professora do instituto de economia da UFRJ. “As crises financeiras estão ficando cada vez mais longas e cada vez mais próximas umas das outras, o que leva a um risco muito grande se aplicar em um fundo de previdência privada.”
Ela cita como exemplo as crises financeiras dos Estados Unidos, em 2007, e da Europa, em 2010, cujos efeitos são sentidos ainda hoje, e que levou diversos fundos de previdência complementar à falência. A OCDE estima que as perdas tenham chegado a US$ 5,4 trilhões (mais de 20%) no final de 2008, por conta da crise iniciada no ano anterior.
Limitação e encarecimento – Além disso, a economista alerta para outra questão crucial: a amplitude da cobertura dos benefícios concedidos pela Previdência Social, que vão além do benefício da aposentadoria, como auxílios doença e acidentário, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Já os bancos privados cobram pela aquisição desses produtos específicos, com custos mais elevados, para oferecer cada um desses outros serviços adicionais à aposentadoria.
Pelas regras atuais, uma pessoa que perder a capacidade para o trabalho recebe 100% do valor do benefício (média de todas as contribuições desde julho de 1994). Com as novas regras, passará a receber 51% deste valor mais 1% por ano de contribuição.
“A pessoa que desejar adquirir um plano financeiro num banco privado que lhe dê cobertura para a velhice e para o risco de invalidez terá de adquirir um produto mais caro. A mesma coisa com o risco de doença. Terá que fazer um plano de saúde com o banco. Enfim, terá que pagar caro por serviços que deveriam ser ofertados pelo Estado; isso reduzirá a renda familiar, porque uma parcela substancial do salário terá de ser destinada para contratar estes serviços, o que irá diminuir as reservas para outros fins como aluguel, estudos dos filhos, alimentação, lazer.”
Sem diferenciação – As novas regras propostas pelo governo Temer também atingem os trabalhadores que exercem atividades de risco e por isso atualmente podem se aposentar com menos tempo de contribuição (15, 20 ou 25 anos dependendo do grau de exposição ao risco). Com as mudanças, essa diferenciação deixará de existir e todos terão de se aposentar com 55 anos de idade e no mínimo 20 anos de atividade prejudicial à saúde.
“Os bancos não vão dar um tratamento diferenciado a esses trabalhadores que procurarem por aposentadoria complementar, porque eles têm menor tempo de contribuição, o que implicará em um valor também menor de aposentadoria”, acredita Denise.
Na contramão – A professora da UFRJ crava que há um desejo muito grande do governo em impor uma reforma que beneficie os bancos. Ela ressalta as diversas reuniões entre o secretário de Previdência Social e artífice das novas regras, Marcelo Abi-Ramia Caetano, e representante de empresas que oferecem planos de previdência privada.
“A conclusão é que o mercado de previdência complementar será favorecido porque o setor público vai abrir esse espaço quando deixar de oferecer a cobertura que fornece hoje. Estamos na contramão do que ocorre no mundo. Essa experiência o Chile já viveu e teve que voltar atrás no governo de Michelle Bachelet. Países europeus sofreram o mesmo ajuste fiscal que elevou demais o empobrecimento dos idosos e desacelerou a economia europeia, fazendo com que, hoje, instituições como o FMI e o Banco Mundial não recomendem mais a privatização dos sistemas previdenciários. Estamos repetindo experiências mal sucedidas em vários países.”
O sistema previdenciário chileno foi privatizado em 1981 e seu fracasso é evidente, reforça Ricardo Sasseron. “Cerca de 60% dos chilenos não contribuem para os planos de previdência. O benefício médio dos 40% que contribuíram por toda a sua vida de trabalho não chega a dois terços do valor do salário mínimo. Por isso os chilenos têm feito manifestações massivas para que o governo reimplante a previdência pública.”
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