Aécio Neves, o golpista engolido pelo golpe
PACTU
Lançado à fogueira por "aliados", senador do PSDB e moralista da TV responde a nove inquéritos, tem contra si uma fartura de provas e depoimentos, e tem sido visto caminhando sozinho pelo Senado.
O golpe tem se mostrado pragmático e não poupa nem mesmo aliados em nome de seus objetivos. Para compensar a prisão sem provas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seria preciso mostrar à opinião pública que "a justiça é para todos" e, neste caso, tinha-se à mão um político já descartado para as urnas e abandonado por seus correligionários. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), poupado durante dois anos e dono de extensa ficha policial, era, portanto, o nome perfeito para o papel. Acusado de solicitar e receber do mega empresário Joesley Batista, dono da JBS, R$ 2 milhões em propina, em troca de usar o cargo de senador a favor daquela empresa, Aécio se tornou réu em um processo aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira, 17 de abril, sob acusação de corrupção e obstrução de Justiça. O tucano foi flagrado em conversa gravada pela Polícia Federal (PF), com autorização da Justiça.
Aécio responde a nove inquéritos. Dois por receber propina da JBS, três por receber propina de construtoras, um por desvio de dinheiro e corrupção em Furnas, outro por fraude na licitação superfaturada e corrupção na construção da cidade administrativa de Minas, um por maquiar dados do Banco Rural na CPI dos Correios e, finalmente, mais um por propinas no setor de energia.
Coincidentemente – e passou despercebido pela imprensa –, a decisão do STF de transformar Aécio em réu ocorreu justamente no dia do aniversário de dois anos da abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff (PT) pela Câmara dos Deputados. Foi num domingo, em 17 de abril de 2016, que a Câmara autorizou a abertura do processo de destituição da presidenta, confirmado pelo Senado em 12 de maio, quando a presidenta foi afastada. Em 31 de agosto, os senadores concluíram o golpe – do qual o próprio Aécio era um dos líderes mais destacados.
Naquele momento ele jamais pensou que cairia em desgraça. Quando foi derrotado em 2014 por Dilma, Aécio arrastava atrás de si um bando de políticos que batiam palmas para o discurso "Eu perdi a eleição para uma organização criminosa", referindo-se ao PT. Mais tarde, liderou manifestações "contra a corrupção". Agora, o tucano tem sido visto pelos corredores do Senado andando sozinho. Os "amigos aliados" não querem associar suas imagens à do único senador tucano réu no Supremo.
Dilma sofreu processo de impeachment sem que houvesse um único indício ou prova de que tenha cometido crime, ao contrário de numerosos algozes, os senadores e deputados denunciados por uma vastidão de delitos. As manobras fiscais de crédito, as ditas pedaladas, não constituem subtração de dinheiro do povo. Eram – e ainda são – práticas corriqueiras de todos os grandes partidos, aqueles que, em sua maioria, se armaram para eliminar a presidenta consagrada em 2014 por 54,5 milhões de votos. Configurou injustiça – a palavra é golpe –, aplicar determinados critérios punitivos a gestores de certa coloração e a de outras, não.
Além disso, contra Dilma não há acusações de executivos ou donos de construtoras e nenhuma prova de mal feito praticado por ela foi encontrada por Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF), Lava Jato ou Procuradoria-Geral da República (PGR), que vasculharam sua vida.
O mesmo não se pode dizer do senador tucano, moralista da tevê, que posava de ético: dois dias depois de se tornar réu, foi acusado em mais dois novos depoimentos prestados à PF pelo empresário Sérgio Andrade, um dos donos da Andrade Gutierrez e novamente por Joesley Batista. O dono da Friboi afirmou à PF e ao MPF que pagou uma mesada de R$ 50 mil ao senador Aécio Neves de 2015 a 2017, a pedido do próprio tucano. Joesley Batista afirmou ter repassado R$ 110 milhões a Aécio Neves durante a campanha eleitoral de 2014 e que os repasses estariam atrelados à futura atuação de Aécio em favor dos negócios do grupo J&F.
No caso da Andrade Gutierrez, a PF afirma que o trato foi firmado com o objetivo de repassar dinheiro a Aécio para que o tucano favorecesse a empreiteira e seus interesses na construção da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia. E os R$ 30 milhões tomados da Odebrecht e os R$ 20 milhões da Andrade Gutierrez, em troca de fortalecê-las na licitação para a hidrelétrica de Santo Antônio, começam por derrubar a defesa de Aécio e sua irmã Andréa para os R$ 2 milhões tomados de Joesley Batista. O caixa tão fornido destrói a mentira de que Aécio precisava de "um empréstimo" para pagar seu advogado logo que surgiram as primeiras denúncias contra si.
Crítico ferrenho da corrupção, fortalecido pela mídia, mais uma delação promete enterrar as pretensões políticas do tucano. As construtoras Wanmix e Cowan que pertencem à família Wanderley, amigos dos Neves, serão investigadas a pedido da PGR. A Polícia Federal encontrou, na sede da Wanmix, provas de dissimulação de doação de R$ 1,5 milhão para a campanha do tucano em 2014.
A Wanmix é construtora mineira que forneceu concreto para a construção da Cidade Administrativa, obra bilionária conhecida como Aeciolandia, na gestão do tucano no governo de Minas Gerais. A obra custou R$ 2,1 bilhões e foi citada em delações premiadas como origem de repasses de propinas para o senador. A Cowan, sediada em Belo Horizonte, conhecida pelas grandes obras públicas naquele estado, foi a responsável pela construção do Viaduto Guararapes, que caiu em Belo Horizonte em 2014, pouco antes da Copa do Mundo, matando duas pessoas e ferindo outras 23. Foi também na residência dos donos da construtora que Aécio Neves se hospedou no carnaval do ano passado.
Com a palavra, Aécio
Apesar de todos os indícios, o tucano mantém-se em liberdade por conta do foro privilegiado e contará com prazos normais para continuar sua defesa, sem a pressa demonstrada na condenação e prisão do ex-presidente.
Semana passada, mais precisamente no domingo (15), o tucano passou a tarde com o presidente ilegítimo. Michel Temer, no Palácio do Planalto. Na segunda feira seguinte o jornal Folha de S. Paulo publicou um artigo de sua autoria intitulado "Sua excelência, o fato".
"Fui ingênuo, cometi erros e me penitencio diariamente por eles, mas não cometi nenhuma ilegalidade", escreveu o agora réu no STF.
A conferir.
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