Ivone Silva: o falso dilema entre salvar vidas ou salvar a economia
PACTU
Confira abaixo o artigo de Ivone Silva, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, sobre a responsabilidade do Estado, ante a gravidade da pandemia do coronavírus, de salvar tanto vidas quanto uma economia em recessão, com recursos suficientes para a população sobreviver com qualidade de vida durante a quarentena e para a manutenção da capacidade produtiva das empresas.
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Nas últimas semanas ficou clara a gravidade da situação global diante daquela que pode ser a uma das maiores pandemias da história da humanidade. O Coronavírus (Covid-19) tem altíssima taxa de contágio, podendo atingir um número gigantesco de pessoas no mundo todo em curto espaço de tempo. Diante desse fato, e da ausência de vacinas ou antivirais específicos para o vírus, a única forma eficaz de retardar o avanço da doença e assim evitar o colapso do sistema de saúde é o isolamento social, apesar do presidente brasileiro afirmar o contrário. Do ponto de vista da saúde da população, a quarentena para todos aqueles que possam fazê-la é o mais indicado. Além disso, é necessário urgentemente elevar substancialmente os recursos do orçamento público para aumentar o número de leitos, garantir testes para o máximo número de pessoas possível, respiradores e elevar o número de servidores da saúde pública, nos moldes do que foi feito por ocasião do programa “Mais Médicos” no governo Dilma.
A política de isolamento social é fundamental, mas gera obviamente impactos profundos na atividade econômica. Na medida em que um grande número de pessoas precisa ficar em suas casas, o movimento nas ruas, bares, restaurantes, shoppings, cinemas, teatros, lojas é repentinamente suspenso, o que, somado aos corretos decretos municipais e estaduais que estabelecem o fechamento de estabelecimentos que prestam serviços não essenciais, acaba por reduzir abruptamente o faturamento das empresas.
A partir desse fato e diante da posição absurda do presidente da República, cria-se um falso dilema entre “salvar vidas” ou “salvar a economia”. Diz o presidente que caso a quarentena seja mantida, a crise econômica será ainda mais grave do que os efeitos da doença e, por isso, as pessoas deveriam voltar à vida normal para, assim, salvar a economia. Não poderia haver pensamento mais equivocado. Caso as pessoas abandonem nesse momento a quarentena, o número de casos de Covid-19 e de mortes decorrentes irá explodir, o sistema de saúde irá colapsar e não haverá atendimento nem para os casos desta doença e nem de outras inúmeras doenças, gerando pânico, incerteza, instabilidade política, além de milhares de mortes. Não há recuperação econômica possível nesse cenário.
Portanto, a alternativa correta é a que foge do falso dilema entre “salvar vidas ou salvar a economia”; é a que salva o maior número de vidas possível reduzindo ao máximo os impactos econômicos da quarentena. Essa alternativa é perfeitamente viável, mas, para isso, precisamos de um plano claro e rápido de ação firme e intensa do Estado brasileiro. Vamos partir do princípio básico que devemos seguir a orientação dos cientistas, profissionais de saúde pública, infectologistas e epidemiologistas e estabelecer um isolamento social três ou quatro meses, inicialmente. Diante dessa premissa, cabe ao Estado brasileiro garantir que cidadãos e empresas ultrapassem esse período com recursos suficientes para sobreviver com qualidade de vida durante a quarentena e para a manutenção da capacidade produtiva para que a economia possa voltar à normalidade o mais rápido possível passado o período de caos.
Para isso, o Estado deve garantir basicamente duas medidas econômicas amplas e urgentes: 1) uma renda básica de cidadania a todos aqueles que não tenham recursos para se manter em casa (trabalhadores informais, autônomos, desempregados, famílias de baixa renda etc). 2) criar uma linha de crédito emergencial e automática com juros próximos a zero e longa carência para início do pagamento para que as micro, pequenas e médias empresas possam seguir pagando salários e mantendo sua capacidade produtiva durante esses meses.
Os bancos públicos e privados poderiam operar essa linha de crédito, que teria o Tesouro Nacional ou o Banco Central como garantidores de última instância e estaria condicionada a estabilidade no emprego para os trabalhadores destas empresas. As duas medidas, combinadas com outras mais pontuais, seriam capazes de minimizar os impactos econômicos da quarentena garantindo que possamos fugir do falso dilema colocado pelo presidente. Além disso, está formado um consenso entre economistas de todas as correntes de pensamento que estas medidas são absolutamente necessárias. Mesmo os tradicionalmente liberais, como Armínio Fraga e Monica de Bolle, têm defendido enfaticamente medidas nesse sentido.
O financiamento destas medidas deve vir do endividamento público, na medida em que a decretação do estado de calamidade pública já desobrigou o cumprimento das regras fiscais em 2020. Não há qualquer risco de que, diante da paralisia econômica o aumento do endividamento público gere pressões inflacionárias. Portanto, não há nenhum impedimento legal ou econômico para que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade diante de momento tão delicado quanto o que estamos passando.
O que há é um presidente que nega as recomendações científicas, com receio de ter a popularidade arranhada diante de mais um ano de recuo econômico e um ministro da economia arraigado com os piores princípios do liberalismo econômico, preocupado em salvar seus amigos investidores da bolsa de valores.
O momento não permite esperar. A sociedade civil, os partidos de oposição, os movimentos sociais, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos devem tomar a frente e garantir de um lado todas as medidas sanitárias necessárias e de outro pressionar para que medidas econômicas eficazes sejam tomadas para realizar a travessia dos próximos meses com o menor impacto negativo na economia possível.
*Ivone Silva é formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), com MBA em Finanças, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bancária do Itaú-Unibanco desde 1989, foi secretária-geral do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região no período de 2014 a 2017, quando tomou posse como a segunda mulher a presidir a entidade.
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