ANS ajuda operadoras e desdenha usuários de planos de saúde
PACTU
Agência Nacional de Saúde desafia a capacidade cognitiva dos brasileiros. Em nota enviada ao Poder360 (publicada na íntegra ao final deste post de 9.abr.2020) afirma que as operadoras de planos de saúde só terão acesso aos R$ 15 bilhões recém-liberados, de mão beijada (dinheiro de uma reserva técnica para momentos de crise), depois de cumprirem a determinação de “renegociar com beneficiários de planos individuais/familiares e contratantes de planos coletivos por adesão e empresarial com menos de trinta pessoas e manter pagamento regular aos prestadores”.
A agência diz que o segurado que “tenha dificuldades para manter suas obrigações financeiras com o plano de saúde nos meses previstos no termo, tem direito a receber uma oferta de renegociação destes valores”. Prossegue dizendo que “pode ser adiamento, parcelamento do pagamento, dependendo do que for conversado com a operadora [destaque do Poder360]”. E que fica “assegurada sua [do usuário] permanência no plano até 30 de junho”.
O órgão público brinca com a sintaxe para defender os interesses das empresas que atuam na área da saúde.
Em que termos será a negociação para garantir ao segurado os serviços até 30 de junho? Pode ser o desconto de 5%? Ou as operadoras terão de diferir obrigatoriamente o pagamento por 5 ou 10 meses? Ou, simplesmente não cobrar? Não se sabe.
A agência não informa sobre quem definirá o parâmetro. Fala sobre “renegociar com beneficiários”. Mas em quais termos? Não se sabe.
Pior. A ANS diz em sua nota que tudo depende “do que for conversado com a operadora”.
Ou seja, o frágil segurado depende de negociar com a operadora sua “permanência no plano até 30 de junho” desde que chegue a 1 acordo sobre o “adiamento” ou o “parcelamento do pagamento”. É necessário ter uma interpretação bem elástica sobre a bondade de planos de saúde para achar que as empresas oferecerão condições favoráveis aos usuários.
Há outro aspecto que tem de ser considerado –e, é claro, nem passou pela cabeça dos dirigentes da ANS. Os cerca de 47 milhões de usuários de planos de saúde estão possivelmente em sua maioria em isolamento social. Têm mobilidade restrita. Se forem renegociar com suas operadoras novas condições de pagamento, certamente terão de ficar por horas ao telefone até aparecer 1 atendente que possa encaminhar o processo.
Qual foi a providência que a ANS tomou para determinar a operadoras que aumentem o número de funcionários atendendo em seus call centers? Nenhuma norma foi baixada a respeito.
A ANS diz em sua nota que os R$ 15 bilhões liberados devem também ser usados para na “proteção (…) da rede de prestadores de serviços de saúde”.
Quem são os “prestadores”? São dezenas de milhares de hospitais, pequenos consultórios e laboratórios de análises clínicas que tiveram uma queda gigantesca em suas receitas. Quem vai ao oftalmologista nos dias de hoje?
Para tornar tudo ainda mais dramático, a ANS levou sua tradicional lentidão ao paroxismo. O 1º caso de coronavírus no Brasil foi confirmado em 26 de fevereiro de 2020. A 1ª morte, em 17 de março. A Procuradoria Geral da República cobrou posicionamento da ANS mais de uma vez, sendo a última em 7 de abril.
Ao dizer que todos serviços estão garantidos até 30 de junho a agência determina algo perto do inócuo. As regras atuais permitem que planos de saúde desliguem seus clientes depois de 2 meses sem pagamento. Se os critérios sobre renegociação saírem (quem sabe) até 15 de abril, qualquer segurado inadimplente já tem naturalmente seus direitos preservados até 15 de junho, quando possivelmente o surto de coronavírus estará entrando em fase final.
É notório que a ANS desde sua criação, em 2000, carrega a pecha de proteger as operadoras e desdenhar dos usuários e da cadeia operacional da saúde no país (hospitais, médicos, clínicas e laboratórios). A agência poderia se livrar dessa má reputação. Bastaria atuar firme neste momento grave para proteger os usuários do sistema.
Mas a ANS parece embevecida por um surto de arrogância vulgar. Acredita –e deseja que o Brasil acredite também– que as operadoras de planos de saúde vão usar os R$ 15 bilhões para ajudar os usuários e os prestadores de serviço do setor.
A ANS também acredita que as empresas privadas de saúde terão benemerência e bom coração para primeiro ajudar os outros (usuários e prestadores) e só depois garantir a manutenção de seus lucros.
A ANS há mais de uma década permite a planos de saúde aumentarem os valores das mensalidades acima da taxa de inflação. Diz que o percentual concedido para reajustes é apenas 1 “índice de valor”, e que é errado (sic) compará-lo à inflação.
A ANS acha também que todos os brasileiros são idiotas. Os brasileiros não são, e o Poder360 também não é.
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