Precarizados de todo o mundo, uni-vos?
PACTU
O direito do trabalho é resultado de uma longa história de lutas e reivindicações, travadas em diferentes países, cujos primórdios se situam no bojo da Revolução Industrial. No Brasil, igualmente, existe um passado de conquistas dos trabalhadores brasileiros, cujo ápice foi a instituição, no início da década de 40 do século passado, de uma legislação (CLT) protetiva da classe trabalhadora promulgada por Getúlio Vargas. Desde sua promulgação, a CLT passou por uma infinidade de críticas, algumas bem intencionadas, outras, nem tanto. No mundo empresarial, é comum que se pense que CLT é arcaica e ultrapassada. Este ambiente fez com que a legislação trabalhista tenha passado por mais de 500 emendas, durante estes mais de 70 anos.
As alterações na CLT vem sempre motivadas por uma suposta necessidade de flexibilização. A flexibilização é um fenômeno que ocorre quando há, em princípio, uma legislação rígida e que, para fins mercadológicos, essa deve ser maleável, de forma a trazer benefícios aos seus tutelados, sejam eles empregadores ou empregados. Entretanto, o argumento se trata falacioso, na medida em que é constatado que quem tende a ser prejudicado é o trabalhador.
Nos últimos dez anos, um movimento brutal de precarização do trabalho vem acontecendo no Brasil e no mundo. Devido ao aparecimento de gigantes empresas de tecnologia, associadas à “economia do compartilhamento” (ou economia “colaborativa”) e vinculadas ao capital de risco, diversos executivos e investidores começaram a prestar atenção nessa “nova forma” econômica, que alguns chamam de “capitalismo de plataforma”. Na crista da onda do capitalismo de plataforma, encontram-se as empresas Uber e Airbnb. A primeira domina amplamente o setor de transportes, já a segunda é campeã no setor de hospedagens.
O movimento da “economia colaborativa”, originalmente, surge em oposição aos valores da sociedade de consumo do século XX. Trata-se de uma revolução do modelo de mercado, influenciado pelo conceito de minimalismo, no qual as pessoas envolvidas na relação de consumo, principalmente de bens e serviços, preferem alugar, emprestar ou compartilhar em detrimento da compra. É a combinação de um indivíduo que possui um recurso ou serviço e outro que necessita fazer uso deste, com reduzido custo de transação e intermediado pelo uso da internet. Junto com o movimento, veio a promessa de um mundo do trabalho promissor, no qual cada indivíduo se tornaria um microempreendedor autônomo, tendo a liberdade de trabalhar com o que bem entender, a hora que bem entender. [1]
Entretanto, aquilo que deveria ser uma prática transformadora acabou completamente apropriado por um número muito reduzido de empresas de tecnologia. Apresentar a “economia colaborativa” como uma iniciativa diferente das iniciativas comerciais tradicionais tornou- se enganoso. Na realidade, trata-se quase que inteiramente de um reduzido número de empresas ancoradas em montanhas de capital de risco. Estas empresas estão invocando as ideias de igualdade, sustentabilidade e comunidade, para manipular os instintos dos seus apoiadores de pensamento progressistas e construir gigantescas fortunas privadas, encorajar o consumismo e criar um futuro de trabalho precário e mais desigual do que nunca. [2]
Impulsionados pelas facilidades das plataformas digitais, o número de trabalhadores informais e “sob demanda” explodiu nos últimos anos, atingindo 38 milhões de pessoas só no Brasil, em um fenômeno global conhecido popularmente como a “uberização” das relações de trabalho. [3] A uberização do trabalho pode ser entendida por uma hiper individualização das atividades laborais, transformando a dinâmica da relação de trabalho em uma atuação sob demanda (on-demand), através de uma plataforma digital. O que está ocorrendo deve ser entendido como a retirada total do Estado e, consequentemente, a retirada das normas, em prol da autorregulamentação das plataformas. Não é novidade que estes grandes oligopólios estão na linha de frente na pressão por uma “regulação algorítmica”, na qual as regras de proteção do consumidor são substituídas por algoritmos e sistemas de classificação (avaliação e reputação).
Na Uber há uma brutal superexploração e precarização do trabalho. Depois de realizado o cadastro, o motorista não recebe nenhum auxílio ou benefício, de maneira que os motoristas arcam com todas as despesas para realizar seu trabalho. Estes custos, claro, fazem com que os ganhos sejam ainda menores. A empresa, por sua vez, cobra um altíssimo padrão de qualidade no atendimento, visto que não só orienta diretamente os motoristas sugerindo um “padrão” de conduta, como também recebe avaliações sistemáticas dos usuários, onde é possível verificar se o motorista está seguido as orientações. [4]
O sistema de reputação da plataforma é de extrema utilidade para manter os motoristas na linha. É claro que a maior parte das pessoas tende a dar uma boa nota, a menos que a experiência tenha sido realmente ruim, mas no caso de uma leve escorregada, por menor que seja, altera a percepção da Uber sobre o motorista: trata-se de uma denúncia para a Uber, cujo sistema disciplinar pode punir, suspender ou até remover motoristas da plataforma por qualquer razão. A ameaça de um comentário negativo é uma armadilha pronta a se abrir diante do motorista.
É bastante comum motoristas trabalharem 15, 18 ou até 20 horas por dia pelo aplicativo. Após muita pressão, a Uber decidiu, em março de 2020, limitar a jornada a 12 horas. [5]
Deste modo, o capitalismo digital vem fortalecendo seu domínio sobre o trabalho. Na empresa ‘moderna’, o trabalhador que se exige é o mais flexível possível: sem jornadas pré-determinadas, sem espaço laboral definido ou remuneração fixa. A terceirização atinge todas as profissões, desde médicos a eletricistas. Os chamados freelancers se tornam permanentes, mas sem seus direitos trabalhistas. [6]. O trabalho do séc. XXI caminha a passos largos para um cenário precário e degradante, em que a combinação de insegurança, exploração e incerteza, estimula a competição entre os trabalhadores e sequestra seu tempo de vida e sua subjetividade.
Na medida em que os efeitos das crises capitalistas se aprofundam, a forma de ser da classe trabalhadora é forçada a se reconfigurar. O acúmulo de capital produz, na proporção da sua extensão, uma classe de trabalhadores relativamente supérfluos. Cria-se, portanto, o “exército de reserva”, ou seja, um excedente de oferta de trabalho. [7]
Por um lado, o desemprego contribui para reduzir salários, e por outro, cria uma massa de pessoas dispostas a se sujeitar a precarização das condições de trabalho, reféns do ritmo do desenvolvimento capitalista.
Texto: Eduardo Teixeira
Deixar comentário