Para rever reforma trabalhista no ‘pós guerra’ brasileiro, será preciso mudar o perfil do Congresso
PACTU
Não apenas o mercado de trabalho, mas a Previdência e a própria atividade econômica ficaram comprometidas nos últimos anos
Treze de julho de 2017 foi uma data festiva em Brasília, pelo menos para um grupo restrito, que se reuniu no Palácio do Planalto. Ali, o presidente Michel Temer sancionava a Lei 13.467, da “reforma” trabalhista. O auditório estava lotado, mas apenas com representantes empresariais. Não havia entidades de trabalhadores na cerimônia. “Esta era uma demanda antiga no país”, celebrou Paulo Afonso Ferreira, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que em grande medida inspirou o teor da lei, que entraria em vigor dali a quatro meses. Temer engrossou o coro otimista: “Estamos dando mais um passo rumo a um Brasil de mais crescimento, empregos, e mais oportunidades”.
Quase cinco anos depois, sabe-se que os empregos não vieram, tampouco a “segurança jurídica” ou mesmo a valorização da negociação coletiva. E o Congresso Nacional teve papel central, ao aprovar a “reforma” trabalhista em tempo recorde. “Penso que a grande maioria dos deputados jamais leu o projeto”, comenta o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Dieese, durante debate realizado na noite de ontem (8). Todos os participantes concordam que será preciso mudar o perfil do parlamento brasileiro para tentar rever não apenas a lei de 2017, mas outros instrumentos legais, que comprometeram a economia.
Situação “dramaticamente” perversa
Representante do Fórum das Centrais, Clemente avalia que possivelmente uma revisão ou reversão da “reforma” trabalhista será insuficiente, dada a situação do país, que ele chama de “dramaticamente” perversa. Com outra reforma, a da Previdência, já no atual governo, o país terá menos gente contribuindo e menos gente com acesso ao sistema de proteção. “O governo Bolsonaro entregará a Previdência destruída do ponto de vista de seu financiamento”, afirma o sociólogo, no debate promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, com apoio da TVT (assista aqui).
Entre os mais de 140 países que fizeram mudanças trabalhistas nas últimas décadas, diz ainda Clemente, o Brasil promoveu talvez o mais “violento” processo de mudança. “Sem diálogo, um golpe dentro do golpe, contra os trabalhadores.” Repetiu-se a cantilena de que era preciso reduzir o custo do trabalho com a promessa, nunca cumprida, de que isso criaria empregos. O que aconteceu foi a queda da renda e da demanda. Uma “debilitação estrutural da dinâmica econômica”, define. Clemente identifica uma “situação de pós guerra na sociedade brasileira e no mundo do trabalho”.
População quer mudanças
A presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, concorda que a eleição deste ano tem caráter plebiscitário. “O trabalhador e a população estão dizendo claramente, nas pesquisas, o povo está dizendo que quer mudança. As pessoas viram o que significou (o impeachment e a eleição do atual governo) para o Brasil, para a vida do povo brasileiro. A gente voltou para o Mapa da Fome, perdeu emprego, perdeu direitos”, sintetiza. Mas, além da eleição presidencial, reforça Juvandia, é preciso mudar o parlamento. “Se a gente ficar com esse Congresso fisiológico, esse Centrão…”
Uma das mudanças necessárias na questão trabalhista, diz a dirigente bancária, é acabar com os acordos individuais. Ela observa que trabalhador, sozinho, não tem poder de recusar imposições patronais. “O golpe aconteceu para isso, para implementar esse projeto.” A discussão agora, completa Juvandia, é sobre “qual país nós queremos”.
Novas ofensivas
Para a economista Ana Georgina Dias, do Dieese, as consequências para o mercado de trabalho não deixam dúvidas sobre o caráter “danoso” da reforma trabalhista. Além disso, desde então não foram poucas as tentativas de aprofundar as mudanças, algumas temporariamente barradas, como a “carteira verde e amarela”. Mas há agora uma série de recomendações apresentadas no final de 2021 por um grupo de estudos formado pelo governo, o Gaet, que também não teve a presença de representantes dos trabalhadores. E em 28 de janeiro o governo lançou a Medida Provisória (MP) 1.099, sobre prestação de serviço civil voluntário. Na visão das centrais sindicais, mais uma tentativa de “flexibilização” e precarização trabalhista.
Os danos atuais já são “absolutamente profundos”, destaca Ana Georgina. “Ainda que se consiga um movimento de reversão, não será fácil, nem rápida”, avalia, ressaltando a importância da governabilidade. “Neste momento me preocupa muito a correlação e a composição de forças do próximo Congresso Nacional. Já tivemos (trabalhadores) uma representatividade muito maior.”
Inspiração patronal
A própria Lei 13.467 se originou, em boa medida, de um documento da CNI (101 Propostas para Modernização Trabalhista) de 2012, lembra o analista político e consultor Antônio Augusto de Queiroz, o Toninho, ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Anos depois, o relator do projeto, o então deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), modificou drasticamente o texto original. Assim, recorda Toninho, um projeto com 12 mudanças “sai do Congresso com aproximadamente 200”. (Marinho não foi reeleito, mas ganhou cargos no governo.)
Por enquanto, concordou o analista, foi possível segurar novas investidas, até por “erros táticos” do governo. Mas se a eleição trouxer o mesmo governo, ou semelhante, serão usadas as medidas do Gaet, o que será “trágico”, alerta.
Sustentação da Previdência
Assim como Clemente, ele destaca a necessidade de se buscar novas fontes de financiamento para a Previdência, já que a folha de pagamento não dará mais conta de mantê-la. Ele acredita, por outro lado, que a possibilidade de criação das federações partidárias possa aumentar as chances de “ampliar significativamente” a representação dos trabalhadores no Congresso. “Vai beneficiar enormemente quem estiver unido. (…) O sistema de distribuição das cadeiras foi profundamente alterado.” A primeira coisa a fazer é “desinterditar” o debate, pede Toninho, que já em 2014, no mesmo Barão de Itararé, chamava a atenção para a ofensiva patronal que se confirmou nos anos seguintes.
É preciso também, acrescenta Clemente, “denunciar o estrago” feito desde então. O país “destruiu proteção e retirou dinamismo da economia”, afirma. O sociólogo chama a atenção também para a recente revisão da legislação trabalhista aprovada na Espanha. “Muito menor do que a destruição que foi feita, mas é importante. O processo pactuado considera que a negociação coletiva é um instrumento central para a regulação das relações de trabalho onde há um mundo produtivo organizado. (E o) crescimento do salário é indutor do crescimento econômico.” O debate eleitoral irá “mostrar que é possível outro caminho”.
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"reforma" trabalhista, barão de itararé, lei 13.467, mercado de trabalho, negociação coletiva, precarização do trabalho
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