Bancos, indústria e setores do agro se afastam de Bolsonaro antes da eleição

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Bancos, indústria e setores do agro se afastam de Bolsonaro antes da eleição
Bolsonaro perde apoio de parte da elite a dois meses do primeiro turno das eleições - Sergio Lima / AFP

Empresários e entidades setoriais assinam manifestos contra golpe e são criticados por presidente, que se diz perseguido

Faltando menos de dois meses para a eleição, empresários ligados a bancos, à indústria e até ao agronegócio estão cada vez mais afastados politicamente de Jair Bolsonaro (PL). Após um desempenho ruim da área econômica do governo e de discursos golpistas do presidente, entidades patronais de diferentes setores assinaram cartas em favor da democracia e acabaram virando, inclusive,  alvo de críticas de Bolsonaro.

O distanciamento vem tomando forma há mais de dois meses, ainda antes do surgimento dos manifestos em defesa das eleições, mas já motivados por questões eleitorais.

Em junho, por exemplo, a Folha de S.Paulo noticiou que Paulo Skaf, ex-presidente da Federação das Indústria dos Estado de São Paulo (Fiesp), afirmou a aliados que se sentia traído pelo presidente justamente por falta de apoio à sua candidatura ao Senado. Skaf foi aliado próximo de Bolsonaro e chegou a ser nomeado para o Conselho da República.

Já em julho, foi a vez do empresário do ramo do agronegócio Elusmar Maggi criticar Bolsonaro. Elusmar é sócio da Bom Futuro, irmão do empresário Eraí Maggi, conhecido como "rei da Soja", e primo do ex-ministro de Michel Temer (MDB), Blairo Maggi. Ele se posicionou após críticas de agricultores de Mato Grosso à uma aliança de candidatos ligados ao setor com o Partido dos Trabalhadores (PT) no estado.

"Que fria esse presidente [Bolsonaro]. Se esse ele fosse bom, ele teria dado uma verba como o PT deu para fazer armazéns", afirmou, em áudio reproduzido pela imprensa. “Esse presidente é muito ruim de serviço. Esse presidente motoqueiro, que não passa de um simples motoqueiro e que ainda dá mau exemplo para a nação.”

O agronegócio é um dos setores mais identificados com Bolsonaro e ao qual o presidente mais dá atenção. Segundo levantamento publicado pelo site Poder360, desde que lançou sua pré-candidatura à reeleição, em 27 de março, o presidente esteve 15 vezes com empresários do agro. Ao todo, nesse período, o presidente esteve com empresários de todos os setores 37 vezes – ou seja, quase metade do tempo dedicado ao agro.

Golpismo amplia distância

Também durante sua pré-campanha, Bolsonaro reforçou seus ataques às urnas eletrônicas e seu discurso contra instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF). As falas do presidente motivaram manifestos em favor da democracia. Entidades empresariais e empresários renomados aderiram a esses manifestos, contrariando Bolsonaro.

Ainda em julho, os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú-Unibanco, os empresários Guilherme Leal, da Natura, Horácio Lafer Piva, da Klabin, assinaram um documento elaborado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Hoje, esse manifesto já tem mais de 740 mil assinaturas.

Dias depois, foi a vez da própria Fiesp anunciar que estava elaborando a sua carta em favor da democracia. O documento ganhou a adesão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomércioSP), da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) e das principais centrais sindicais.

Bolsonaro menosprezou a iniciativa. Primeiro, lembrou que o atual presidente da Fiesp, Josué Gomes, é filho de José Alencar, falecido vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje candidato à Presidência. Depois da adesão da Febraban, disse que o manifesto era uma reação dos bancos à uma perda de lucro por conta do lançamento do Pix durante seu governo. Essa perda nunca ocorreu.

Por conta da carta elaborada pela Fiesp, Bolsonaro cancelou uma visita à entidade à qual ele mesmo havia marcado para o dia 11. Nessa visita, ele se reuniria com empresários e seria convidado a assinar o manifesto da entidade, o qual ele critica.

Nova relação

Bolsonaro foi eleito com apoio do empresariado e seu esforço para a aprovação da Reforma da Previdência, por exemplo, foi bem-recebido pelos donos de empresas. Os bancos têm registrado lucros recordes neste governo e têm sido beneficiados por medidas de estímulo ao crédito proposta pelo governo, como a concessão de empréstimos consignados vinculados inclusive ao recém-criado Auxílio Brasil.

Segundo o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a relação entre os donos do capital e o governo nunca esteve tão ruim basicamente por dois motivos: primeiro, porque a economia, no geral, vai mal; segundo, porque eles sabem que qualquer tentativa de golpe pioraria ainda mais a situação.

"O empresariado percebeu que se trata de um governo desastroso. Não há interesse do empresariado em estar num país com um governo desastroso", explicou Couto. "Também não há interesse numa ruptura institucional."

Segundo Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), uma parte dos empresários, principalmente ligados ao setor industrial, parece estar mobilizado pela criação de uma política de desenvolvimento do país. O governo Bolsonaro não se movimentou para isso. Por isso – e pensando na sobrevivência de seus próprios negócios – eles parecem buscar um novo presidente.

"Um projeto de desenvolvimento para o Brasil que precisa ser um projeto que em primeiro lugar respeite a democracia", disse ela, analisando o movimento da Fiesp, por exemplo.

André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrou que o empresariado tem interesses heterogêneos. Ele concorda que empresários se afastaram de Bolsonaro recentemente, mas disse que o presidente ainda tem apoio de setores do comércio, do agronegócio e do mercado de capitais.

"Muita gente está lá na Faria Lima que sentem que seu patrimônio melhorou", disse. "Eles ainda confiam no Bolsonaro e na agenda econômica que o ministro Paulo Guedes representa."

A última pesquisa sobre intenções de voto divulgada pela Quaest e financiada pelo Banco Genial, por exemplo, aponta que, entre as pessoas que têm renda familiar acima de cinco salários mínimos (cerca de R$ 6 mil), Bolsonaro lidera a corrida presidencial e ganha cada vez mais votos. Em janeiro, ele tinha 27% das intenções. Neste mês, tem 45%.

 

Edição: Nicolau Soares

Fonte: Brasil de Fato

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