Auxílio Brasil: Governo define regra de consignados; bancos ganham até 50% dos empréstimos
PACTU
Portaria editada nesta terça (27) regulamentou o novo tipo de crédito e autorizou cobrança de juros de até 51% ao ano
As regras estabelecidas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) para a concessão de empréstimos consignados vinculados ao Auxílio Brasil permitirão que bancos ganhem quase R$ 1.000 a cada R$ 2.000 emprestados aos beneficiários do programa.
De acordo com cálculos feitos pelo economista Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), se alguém que recebe o auxílio decidir tomar um crédito de R$ 2.000 pago em 24 parcelas descontadas diretamente do seu benefício, devolverá ao banco credor R$ 2.989,20 – R$ 989,20 só em juros.
A simulação leva em conta juros de 3,5% ao mês (51% ao ano), limite estabelecido pelo próprio governo para o consignado do Auxílio Brasil. Esse percentual consta da portaria publicada na terça-feira (27) pelo Ministério da Cidadania. A publicação da portaria era o que faltava para que bancos pudessem começar a fechar contratos desse tipo de empréstimo.
Principais regras do consignado do Auxílio Brasil:
. Prazo máximo de pagamento: 24 meses
. Juros máximos: 3,5% ao ano (51,1% ao ano)
. Valor máximo da parcela: R$ 160 (40% do benefício de R$ 400)
. Valor máximo do empréstimo: R$ 2.569,34, considerando limite de juros, prazo e parcelas
Anunciado em março, o empréstimo consignado do Auxílio Brasil era uma aposta eleitoral de Bolsonaro, que concorre à reeleição. A ideia do governo era que o crédito contribuísse para o aquecimento da economia nas vésperas da eleição.
Ele, contudo, virou alvo de inúmeras críticas de políticos da oposição, economistas e entidades de defesa de consumidores. Para eles, o consignado do Auxílio Brasil desvirtua uma política de assistência social e acaba transferindo dinheiro destinado à sobrevivência de 20 milhões de famílias mais pobres para o caixa de bancos.
Entenda: Consignado do Auxílio Brasil: conheça os riscos de contratar
"É uma temeridade esse tipo de crédito por alguns motivos. O primeiro é que os clientes são famílias vulneráveis", afirmou de Oliveira, sobre a iniciativa do governo.
Para a economista e coordenadora do Programa de Serviços Financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, o próprio governo reconheceu essa vulnerabilidade quando proibiu a propaganda do consignado do Auxílio Brasil. Os bancos também serão obrigados a apresentar um questionário sobre educação financeira a quem pede o empréstimo, segundo a portaria divulgada na terça.
Amorim, entretanto, disse que essas medidas não terão efeito prático já que hoje instituições financeiras mantêm grupos em redes sociais voltados justamente a ofertas de empréstimos. Ainda de acordo com Amorim, questionários pouco avaliam a compreensão da população sobre como funcionam operações de crédito. "Ninguém é educado financeiramente preenchendo um questionário", disse.
Dobro do aposentado
Ela afirmou que o consignado pode parecer uma boa alternativa de crédito pois "antecipa" pagamentos do Auxílio Brasil a juros mais baixos do que o do cheque especial ou cartão de crédito: 7,16% e 13,77% ao mês, respectivamente, segundo o Banco Central.
Ela lembrou, no entanto, que os 3,5% ao mês que poderão ser cobrados nos empréstimos vinculados ao Auxílio Brasil não são pequenos. São, inclusive, mais altos do que aqueles cobrados em todas as outras modalidades de crédito consignado disponíveis em bancos.
Servidores públicos, por exemplo, conseguem empréstimos consignados com juros de 1,7% ao mês, na média. Já aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) obtêm crédito com juros médios de 1,97% ao mês.
No caso dos empréstimos para aposentados, o juro tem limite de 2,14% ao mês – 28,93% ao ano, quase a metade do limite para os empréstimos vinculados ao Auxílio Brasil.
Bancos resistem
Oliveira, na Anefac, lembrou que bancos podem até oferecer empréstimos a juros mais baixos. Ele, porém, não acredita que isso venha a ocorrer porque grandes bancos como o Bradesco e o Itaú já disseram que não pretendem operar essa linha de crédito.
Bancos públicos e financeiras é que devem oferecer o crédito. As financeiras, tradicionalmente, cobram juros acima da média do mercado.
Amorim disse que é preciso esperar para saber quais instituições vão mesmo oferecer o consignado do Auxílio Brasil. Um cadastro no Ministério da Cidadania será necessário antes que os empréstimos sejam ofertados.
Ela acredita que essas etapas burocráticas devem ser vencidas rapidamente, até porque é do interesse do governo que os empréstimos comecem logo a ser tomados. Considerando isso, é inevitável que parte dos recursos destinados ao Auxílio Brasil acabe mesmo nas mãos dos banqueiros, em vez de ajudar na subsistência dos mais pobres.
"R$ 2.000 de empréstimo tender a acabar num intervalo muito curto. Só que a dívida vai ficar por 24 meses. E isso é um ponto a que essas pessoas precisam estar atentas", afirmou.
Simulações de empréstimos:
1) Empréstimo no valor de R$ 400 pelo prazo de 24 meses:
. Consignado Auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 24,91 – Total de R$ 597,84
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 21,49 – Total de R$ 515,76
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 26,64 – Total de R$ 639,36
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 38,21 – Total de R$ 917,04
2) Empréstimo no valor de R$ 1.000 pelo prazo de 24 meses:
. Consignado auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 62,27 – Total de R$ 1.494,48
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 53,71 – Total de R$ 1.289,04
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 66,60 – Total de R$ 1.598,40
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 95,53 – Total de R$ 2.292,72
3) Empréstimo no valor de R$ 1.500 pelo prazo de 24 meses:
. Consignado auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 93,41 – Total de R$ 2.241,84
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 80,57 – Total de R$ 1.933,68
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 99,90 – Total de R$ 2.397,60
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 143,30 – Total de R$ 3.439,20
4) Empréstimo no valor de R$ 2.000 pelo prazo de 24 meses:
. Consignado auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 124,55 – Total de R$ 2.989,20
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 107,43 – Total de R$ 2.578,32
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 133,20 – Total de R$ 3.196,80
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 191,07 – Total de R$ 4.585,68
5) Empréstimo no valor de R$ 2.500 pelo prazo de 24 meses:
. Consignado auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 155,68 – Total de R$ 3.736,32
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 134,28 – Total de R$ 3.222,72
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 166,49 – Total de R$ 3.995,76
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 238,83 – Total de R$ 5.731,92
6) Empréstimo no valor de R$ 2.569,34 (limite do consignado do Auxílio Brasil) pelo prazo de 24 meses nas modalidades abaixo:
. Consignado Auxílio Brasil – taxa de 3,50% ao mês – parcela mensal R$ 160,00 – Total de R$ 3.840,00
. Consignado INSS – taxa de 2,14% ao mês – parcela mensal R$ 138,01 – Total de R$ 3.312,24
. Empréstimo Pessoal – taxa de 4,15% ao mês – parcela mensal R$ 171,11 – Total de R$ 4.106,64
. Cheque especial – taxa de 8,07% ao mês – parcela mensal R$ 245,46 – Total de R$ 5.891,04
Fonte: economista Miguel de Oliveira/Anefac
Edição: Nicolau Soares
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