STF acaba com orçamento secreto e exige transparência para distribuição de dinheiro
PACTU
Por 6 votos a 5, STF decide que orçamento secreto é inconstitucional e dá 90 dias de prazo para divulgação de dados sobre recursos distribuídos para parlamentares, sem controle nem transparência, em 2021 e 2022
Por 6 votos a favor e 5 contrários, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta segunda-feira (19), acabar com o orçamento secreto criado no governo de Jair Bolsonaro (PL), que distribuía recursos para senadores e deputados sem controle de como seriam gastos, em troca de apoio no Congresso Nacional.
O Supremo determinou ainda que todos os órgãos responsáveis por empenhos, liquidação e pagamentos ligados a recursos do orçamento secreto em 2021 e 2022 terão 90 dias para publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com os respectivos recursos, indicando os solicitadores e beneficiários das verbas, de modo 'acessível, claro e fidedigno'.
O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a decisão do STF inaugura uma "nova etapa" de relacionamento do governo com o Legislativo e ressaltou que o presidente eleito, Lula (PT), não quer tirar o protagonismo do Congresso Nacional, mas com novos mecanismos.
"Eu entendo que é absolutamente possível construir uma alternativa [ao orçamento secreto] que dê protagonismo [ao Congresso], mas respeitados os princípios constitucionais. Eu acredito que, a partir de hoje, começa uma nova etapa de relacionamento". - Fernando Haddad
Lula, continuou Haddad, "não tem a menor intenção de retirar a participação do Congresso na condução dos interesses nacionais".
"Mas nós vamos encontrar o caminho de fazer isso com a transparência que o orçamento público exige", completou.
O que é o orçamento secreto
Orçamento secreto é um esquema criado para distribuir recursos para garantir apoio dos partidos ao governo. No julgamento de ações movidas pela Rede, PSB e Cidadania, que contestam a validade das emendas, a Corte considerou o esquema “inconstitucional”.
O orçamento secreto, nome dado às emendas parlamentares assinadas pelo relator do Orçamento da União e não pelo deputado ou senador autor do pedido, foi definido como o maior esquema de corrupção do planeta terra pela senadora Simonet Tebet (MDB-MS) durante a campanha para a presidência da República.
A senadora, candidata que ficou em terceiro lugar no pleito destacou a falta de transparência desse instrumento e disse: "Podemos estar diante do maior esquema de corrupção do planeta Terra".
Julgamento no STF
Em novembro de 2021, a presidenta do STF, Rosa Weber, relatora da ação de inconstitucionalidade impetrada por três partidos, suspendeu os repasses de verba do "orçamento secreto". No mês seguinte, após o Congresso aprovar novas regras, a ministra liberou o pagamento das emendas.
Na semana passada, no julgamento da ação, Rosa Weber votou pela inconstitucionalidade do "orçamento secreto".
E agora, como será?
Está proibido o uso das emendas do orçamento secreto para 'atender solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento e quaisquer usuários externos não vinculados a órgãos da administração pública federal'.
Os ministros de Estado que chefiam pastas beneficiadas com recursos do orçamento secreto vão ser os responsáveis por orientar a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas, 'afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento'.
Uso indevido das emendas
Para os ministros do STF, o parlamento usou indevidamente as emendas de relator-geral do orçamento para incluir novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual.
Seguiram o voto da relatora os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Luis Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.
Outros cinco ministros entenderam que as emendas de relator poderiam continuar sendo distribuídas pelo relator do Orçamento, desde que com critérios mais transparentes. Votaram desta forma e perderam: André Mendonça, Kássio Nunes Marques, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.
Em seu voto nesta segunda, Lewandowski afirmou que, apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências e aos parâmetros constitucionais de transparência.
PF investigou denúncias de superfaturamento
As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas. Por pressão do STF, o Congresso alterou as regras das emendas no final de 2021, mas a figura do "usuário externo" manteve a falta de transparência do esquema. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo.
A Polícia Federal (PF) investigou e, em 4 de outubro, realizou as primeiras prisões. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.
Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um "usuário externo". Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.
Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto
Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de "velha política".
Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Essa taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma.
Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.
Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.
Os maiores beneficiários das emendas de relator eram integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Esses parlamentares, por sua vez, capitalizaram politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.
A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de "institucionalização da corrupção" de que se tem registro no Brasil.
"O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais", afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.
Qual é o valor destinado ao orçamento secreto
Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.
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