A exploração da fé no processo eleitoral

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A exploração da fé no processo eleitoral

* Por Joel Guedes

Para muito além do exercício do voto popular em uma democracia, as eleições representam a oportunidade para a sociedade escolher os rumos que pretende seguir, indicando se deseja manter ou alterar o projeto político que a conduz. Esta premissa, aparentemente simples, representa um grande desafio em um país de dimensões continentais como o Brasil. Instabilidade econômica, fome, miséria, violência e transgressão às leis ambientais são alguns dos desafios que o país enfrenta no momento. Porém, por mais graves que sejam esses e outros problemas, infelizmente eles têm sido pouco debatidos nas eleições de 2022. A disputa derivou para o sentido de provar quem tem a melhor agenda e a melhor conduta moral. Grande parte da propaganda eleitoral, das entrevistas e dos debates ao vivo têm enfocado temas como o aborto, a liberação de drogas, a “ideologia de gênero” e até a liberdade de culto religioso, predominando informações mentirosas.

A rede de mentiras divulgadas diariamente por meio de fake news, lives na internet e até em celebrações religiosas é a continuidade de um fenômeno que nasceu em 2018 com a campanha disfarçada na fé em Deus e na proteção da família. Uma estratégia maliciosa, travestida de projeto moralista, que colocou definitivamente as religiões no centro da disputa da política, casou com os interesses inescrupulosos de uma já antiga bancada evangélica no Congresso Nacional e encontrou respaldo em líderes religiosos, a maioria de linhagem evangélica, que não demonstram o menor pudor ao usar o nome de Deus e da igreja para seus interesses políticos. Basta lembrar o caso dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura que, sem nenhum vínculo com o governo, atuavam livremente na liberação de verbas da Educação, cobrando propina dos prefeitos.

Não há dúvidas de que o Brasil entrou numa era político-eleitoral clivada pela falsa moral religiosa. Muitos chegam ao ponto de ignorar - e até mesmo aplaudir - a profanação de locais de adoração à Deus, como aconteceu em Aparecida, no último dia 12/10. Aceitam de bom grado os discursos que disseminam o ódio e espalham informações falsas. Discursos esses que, certamente, não levam à salvação da alma dos seus interlocutores – o que, em tese, deveria ser o desejo de todo cristão -, mas são escudo para atingir outros objetivos. É a exploração da fé, em nome de Deus e da família.

Está na Constituição

 A religião não deveria ser tema de disputa eleitoral. O caráter laico do Estado já vem consagrado na tradição constitucional republicana, mas na Lei Maior de 1988 esse conceito desponta de maneira mais evidente. Pode-se dizer que, na ordem constitucional vigente, o conceito de Estado laico tem uma significação jamais vista em épocas anteriores. O inciso VI da Constituição diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Para ficar mais claro: a Constituição não permite o fechamento de templos e não dá ao Estado o poder de determinar se uma pessoa deve ter ou não uma religião. Muito menos, determinar qual deveria ser a religião seguida pelos brasileiros e brasileiras.

* Joel Guedes é jornalista e editor do jornal Pactu

Fonte: Pactu

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