Cadastro de empresa para trabalho doméstico promove racismo e intolerância religiosa

PACTU

( ROBERTO PARIZOTTI (SAPÃO) )
Cadastro de empresa para trabalho doméstico promove racismo e intolerância religiosa
Empresa que terceiriza trabalho doméstico aplicava questionário para que os clientes respondessem suas preferências sobre idade, cor e religião das candidatas (os) às vagas

A Agência Lar Feliz de Empregados Domésticos, em Belo Horizonte, que intermedia vagas de trabalho, está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPT-MG), por promover possível teor discriminatório na contratação de trabalhadores (as) domésticos (as).

No questionário disponibilizado a empresa pergunta as preferências de cor, religião e idade do perfil do trabalhador que interessa ao cliente. Somente nesses três itens a empresa promove racismo, intolerância religiosa e etarismo, o que é proibido pelas leis trabalhistas.

Outro ponto observado é a discriminação às refeições do empregado no local de trabalho. Um cliente, que fez a denúncia e não quis se identificar, disse ao site Metrópoles que o questionário perguntava ainda se “caso o funcionário se alimente na residência, ele tem que comer uma comida diferente dos moradores ou se existe alguma restrição quanto à alimentação deles, alguma limitação quanto ao que podem comer e beber”.

Além das questões de caráter discriminatório, a lista elenca perguntas sobre a possibilidade de cumprir carga horária aos fins de semana, dormir no local de trabalho, regime de folga a cada 15 dias e pagamento de horas extras.

A advogada trabalhista do escritório LBS Advogados e Advogadas, Letícia Corrêa, diz que a agência fere a Constituição brasileira ao fazer esse tipo de processo ‘seletivo’.

“Quando a agência cita uma jornada de 15 dias sem folga, isso não existe. A  legislação fala de uma folga de seis dias por um, mas mais do que a lei trabalhista, o artigo 7º da Constituição que trata sobre o trabalho e o artigo 5º que fala sobre a nossa existência como seres humanos, os nossos direitos fundamentais, deixam claro que não pode haver uma discriminação em razão da cor, da idade, opção sexual e o estado civil”, afirma.

"Os patrões não são obrigados a contratar uma pessoa ou outra. A lei não fala sobre isso, mas eles não podem se utilizar de um fator que não seja o profissionalismo para definir se aquela pessoa vai ser ou não um bom empregado"- Letícia Corrêa

A advogada analisa que, de acordo com os questionários, em que a trabalhadora tem que ficar na residência por mais de 15 dias, fazer a comida da maneira como os patrões querem, se tem habilitação e que ela pode nem saber ler e escrever, demonstra que estão buscando mais do que um empregado doméstico.

"As empresas veem o trabalho doméstico como um subtrabalho. Como alguém ali à disposição da família, como se aquela pessoa não tivesse vida pessoal, como se ela não fosse uma trabalhadora", critica.

A advogada ressalva que é preciso reafirmar todo o tempo a Lei Complementar 150, que somente em 2015, dispôs sobre o contrato do trabalho doméstico no país e, que essa lei não pode ser ignorada.

Racismo

Para Letícia fica evidente o racismo praticado pela agência de empregos, ao analisar o contexto da profissão de domésticas, decorrente dos 300 séculos de escravidão no Brasil e que ainda permanece no imaginário de patrões, de como seria essa empregada ideal, que não tem uma vida.

“A atuação dessa empresa é totalmente inconstitucional e antitrabalhadora, principalmente nesse conceito que a gente verifica no Brasil até hoje, de resgates de trabalho análogo à escravidão e a gente está vendo aí uma agência em pleno 2024, fazendo processos seletivos de maneira discriminatória”, diz.

É preciso denunciar

Luiza Batista Pereira, presidenta da Federação das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), filiada à CUT, que representa aproximadamente 10 milhões profissionais do setor, diz que discriminações ocorrem em todo o país. Ela lembra um caso ocorrido em São Paulo em que patroas fizeram um grupo no WhatsAPP para avaliar suas empregadas e estimulavam outras a não as contratarem alegando que comiam demais, porque eram negras, eram religiosas de matriz africana ou que exigiam seus direitos trabalhistas, inclusive, com adjetivos pejorativos.

“Soubemos até que uma trabalhadora ofendida nesse grupo tentou o suicídio por não conseguir mais emprego”, conta Luísa, que também é diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs).

Por todo esse tipo de discriminação Luiza defende que a punição seja mais dura para as pessoas que cometam esses crimes contra as domésticas.

“Essas pessoas precisam ser processadas criminalmente e punidas com pagamento de multas por danos morais, por calúnia, para que elas entendam que isso não pode ser feito. De nada adianta assinar um Termo de Ajustamento de Conduta assinado pelo sindicato patronal.

"Se tivesse sido o contrário, se essa lista [se referindo ao caso de São Paulo] tivesse sido feita por trabalhadoras denunciando maus empregadores que não registram a carteira, tratam mal, agridem moralmente, praticam assédio moral e atrasam salários com certeza essas trabalhadoras teriam sido punidas pela justiça" - Luiza Batista Pereira

A dirigente reforça que é preciso que as trabalhadoras domésticas façam um Boletim de Ocorrência para que a denúncia seja registrada.

“Para que esses assédios resultem em investigação e, consequentemente, essa denúncia seja oferecida ao Ministério Público do Trabalho é fundamental ir a uma delegacia e denunciar”, recomenda a presidenta da Fenatrad.

A advogada do LBS orienta que o trabalhador registre datas, nomes, ações e como a empresa agiu quando se sentir discriminado, ou se houve alguma discriminação. É preciso também sempre buscar uma orientação legal. Letícia diz ainda que é importante tentar conversar dentro da empresa para relatar o caso porque existem algumas que têm protocolos contra a discriminação e o diálogo pode ajudar a identificar e corrigir o problema.

Em resposta ao portal Metrópoles, a Agência Lar Feliz de Empregados Domésticos, disse que encaminharia a questão ao departamento jurídico.

Fonte: CUT

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