Eólicas destruíram 90% da produção de alimentos de agricultores familiares no RN

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Eólicas destruíram 90% da produção de alimentos de agricultores familiares no RN
Agricultores familiares do Rio Grande do Norte denunciam que barulho e sujeira gerados pelos parques eólicos destruíram 90% da produção de alimentos e provocam abortos em animais

Nesta última reportagem sobre os impactos dos parques eólicos junto à população vizinha a esses locais, ao meio ambiente e à economia, o Portal CUT ouviu três agricultores familiares do Rio Grande do Norte, que tiveram suas vidas atingidas negativamente com a construção dos equipamentos de energias renováveis. Todos são categóricos em dizer que os parques eólicos só trouxeram prejuízos às suas economias, praticamente dizimando suas plantações e comprometeram a saúde deles e dos animais.

Esses relatos desanimadores mostram a tragédia que é a instalação dos equipamentos das chamadas energias renováveis sem que haja uma regulamentação e, principalmente, sem que haja por parte das empresas explicações corretas a essas famílias, praticamente enganadas com promessas de ganhos e desenvolvimento. Na verdade, o rastro é de destruição de casas, do meio ambiente e da agricultura familiar.

Ernandes da Silva Ferreira, 38 anos, agricultor de Bodó (RN), cidade de 4.200 habitantes, produtor de caju, castanha, mandioca e pinha teve 90% da sua produção arrasada e sua criação de porcos, bois e galinhas deixou de dar crias, a partir da instalação dos parques eólicos. Os animais precisam de sossego para terem uma boa gestação, mas com o barulho ensurdecedor das eólicas, a trepidação do solo provocada por elas e o tráfego de caminhões pesados em alta velocidade nas estradas de terras, isso se torna impossível. O resultado são crias que não sobrevivem; outras nascem já mortas.

“As abelhas sumiram e com isso a produção de caju, que precisa da polinização, caiu. A mandioca que era mais resistente também é prejudicada. Ela recebe muita poeira de pó de brita e piçarra; a noite o orvalho cai em cima dessa poeira queimando as flores e folhas, e pela manhã o sol acaba de queimar. As vacas deixei de criar por causa do stress porque elas precisam de ambiente relaxante pra produzir leite. Tenho um amigo que te 10 vacas e nenhuma produz mais leite porque ficam inquietas com o barulho das eólicas. As crias de porco e galinha também não resistem até o final da gestação”, diz o agricultor.

"A produção de alimentos dos sítios próximos aos acessos das torres eólicas caiu em torno de 80%. Eu perdi de 80% a 90% da minha renda e para complementar tive de arrumar um emprego de vigia numa escola porque não dá mais para viver da agricultura" - Ernandes da Silva Ferreira

Ver a plantação destruída, tomada pela poeira, e os animais estressados sem produzir também aconteceu com a agricultora familiar Rita de Cássia Miranda dos Santos, viúva, de 53 anos, remanescente quilombola, descendente de pequenos agricultores e, que nasceu e vive no sítio Cabeça dos Ferreira, também em Bodó.

“Eu produzia, em 2,4 hectares de terra, feijão, milho, fava, pinha e caju e  crio de galinhas, mas a produção de ovos praticamente zerou e o que era vendido mal dá hoje para o meu próprio consumo, desde que o parque eólico começou a ser implantado ao lado da minha casa, que está rachada e a cisterna desabou”, diz Rita de Cássia.

Segundo ela, todas as casas dos sítios vizinhos estão rachadas e algumas cisternas foram destruídas devido à trepidação do solo. Além disso, as torres derramam um óleo prejudicial à saúde e, por falta de manutenção algumas podem cair a qualquer momento, e os acidentes começam a preocupar quem mora nas imediações.

A mesma situação vive a agricultora Francisca da Silva Barbosa, de 51 anos. Solteira e com um filho, ela é assentada, junto com outras 23 famílias, em São Bento do Norte, também no Rio Grande do Norte, produzindo feijão e milho e criando ovelhas e galinhas. Por ser assentada e não ter 100% de direito à terra, as empresas abriram estradas dentro da sua propriedade, inclusive, com a autorização do Ibama.

Eu não arrendei o meu lote para as eólicas, mas sou vítima de uma torre vizinha. Sou eu quem sofre os malefícios. Este ano não deu nada de safra, mal deu um punhado de feijão e milho para gente comer”, conta Francisca.

Arquivo pessoal

Eólicas ao lado de casa da agricultora Francisca Barbosa - Arquivo pessoal

Seus animais também sofrem, as galinhas e codornas deixaram de botar ovos e as ovelhas que antes davam duas crias, hoje no máximo chega a uma, e nem todas sobrevivem.

“O veterinário me disse que com muito barulho e constante elas não conseguem reproduzir”, diz.

Ernandes, que é segundo tesoureiro da Associação de Produtores Rurais de Porto de Linha e Pau d’olho, da região de Serra Santana, tem três torres de aerogeradores instalados muitos próximos à sua casa. Ele conta que os problemas começaram já durante o processo de terraplanagem, em 2015, por causa do tráfego pesado e a velocidade dos caminhões que circulavam nas estradas vicinais dos próprios agricultores. O trânsito pesado durou até 2017, que além de impactarem nas casas e cisternas destruiu as cercas dos agricultores.

Vidas em risco

No final do mês de agosto um acidente assustou a todos. Uma hélice se soltou, bateu, voou e caiu sobre uma linha de transmissão de 3 mil volts, a mais de 110 metros da base.

“Ao todo são 15 aerogeradores ao longo das terras dos agricultores e a gente já avisava há dois anos que havia um problema porque aumentou o barulho daquela hélice. A sorte é que não estava passando ninguém e era horário escolar. Ali embaixo das torres é caminho para sairmos do sítio e muita gente usa ainda carro de boi para trazer água”, conta Ernandes.

Segundo ele, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema) do Rio Grande do Norte, identificou outro aerogerador a 80 metros de uma casa que está com problemas e a família foi obrigada a deixar a propriedade.

Rita de Cássia também sente medo e se preocupa com a falta de manutenção adequada das torres.

Arquivo pessoal

Rita de Cássia, agricultora - Arquivo pessoal

Arquivo pessoal

Terreno de Rita de Cássia - Arquivo pessoal

 “Aqui perto uma torre foi quebrada, uma hélice foi jogada no chão, pegou fogo, e ela está toda empenada, envergada, tombada no meio. O corpo dela não quebrou, mas está sujeito a cair a qualquer momento e, isso para nós é muito ruim, né? Porque a gente fica com medo, eu mesmo tenho medo do que poderá acontecer com essas outras que ficam perto das nossas casas”, diz Rita.

Contratos e promessas não cumpridos

Quem arrendou suas terras foram os que têm em torno de 30 hectares e os de terreno menor e não arrendou não recebe nada de indenização, ficando apenas com os prejuízos”, diz Ernandes.

“As torres ficam em propriedades maiores e eles não sofrem as consequências porque não moram nessas terras”, conta.

A agricultora assentada, diz que as empresas prometeram indenizar as famílias que tiveram suas casas rachadas porque o assentamento não estava preparado para receber estruturas tão grandes, mas nada foi feito desde a pandemia.

“Estou toda ilhada, as torres só não estão no meu lote porque o Incra não liberou, mas queriam acordo e que o dinheiro fosse depositado no Incra e quando a gente precisasse para comprar uma ferramenta, a gente pegava lá”. Ainda bem que não aceitaram porque a gente ia viver de quê?, questiona Francisca.

A agricultora conta que as empresas eólicas chegaram a passar com documento assinar, mas até hoje não voltaram e ela entrou na Justiça, mas ela que tem de pagar o perito para mediar a velocidade das hélices e a distância do aerogerador da sua casa.

“Eu não tenho condições de pagar os R$ 2 mil do serviço. Vou tirar de onde? Não ganho salário, o pouco que tenho é da minha produção, do meu trabalho”, diz.

"Eles querem dar dinheiro, mas ali tá toda a sua vida, é de pai pra filho, pra netos. A gente trabalhou para construir pros filhos e acham que com dinheiro e indenização pagam tudo? A gente se revolta porque o que vamos deixar pros nossos filhos? - Francisca da Silva Barbosa

O alerta sobre as reais condições nas quais os agricultores viveriam ao aceitarem as condições e os contratos prometidos pelas empresas também não foi dado a agricultora de Bodó, Rita de Cássia.

"Todos nós, inocentes, sem conhecimento, caímos numa conversa bonita, que só tinha coisas boas para oferecer, desde a estrada, emprego, melhorias, tudo de melhorias, só que nada disso chegou para a gente, o que chegou foi muito prejuízo" - Rita de Cássia Miranda dos Santos

A agricultora reclama que falta assistência aos moradores locais tanto por parte das empresas como dos órgãos governamentais.

“ A gente gostaria que organizassem alguma coisa que viesse a beneficiar as famílias da nossa comunidade. Que eles fizessem uma reunião, vissem a situação da gente, da nossa comunidade, e através de nossas queixas, do que a gente espera, fizessem algo de bom pra nós, algum benefício que recompensasse todos nós, já que a gente não pode fazer nada nesse parque, não pode sair daqui, a gente não tem o que fazer, mas eles poderiam nos ajudar em algo beneficente pra todo mundo”, diz Rita de Cássia.

Ernandes concorda que é preciso ter um trabalho em conjunto para conciliar a produção de energia eólica e a da agricultura.

“Não entendo porque vieram fazer os parques eólicos perto dos agricultores, que vivem da agricultura. Em tese deveriam pegar terras abandonadas, de gente que não vive da agricultura. O mais prejudicado é a gente; tem muita torre irregular, e eles ainda aproveitavam os acessos de estradas da gente. Para piorar a gente continua pagando caro pela energia, sem nenhuma contrapartida”, critica.

Segundo ele, há anos os agricultores procuram ajuda, mas somente recentemente o Ministério Público começou a apurar as denúncias.

 “Ninguém nos ouvia, era só falatório, perdemos renda e estamos em dificuldades financeiras. A gente precisa do sossego para produzir”, diz Ernandes.

Problemas de saúde

Além dos prejuízos financeiros, a saúde das famílias também está prejudicada. A esposa de Ernandes, grávida, teve pressão alta, problemas com a tiroide e não conseguia dormir. O bebê nasceu e nos primeiros meses até dormia. Hoje com um ano e meio ele só dorme quando está muito cansado, mas acorda durante a noite devido ao barulho. Por sua vez, Ernandes tem insônia, imunidade baixa e agravou seu problema de rim.

Rita de Cássia, diz que também não sabe o que é ter uma boa noite de sono há anos, prejudicando a sua saúde.

“A noite é muito zoada, durante o dia até que não incomoda muito não, mas à noite fica aquele barulho, aquela zoada. Desde esse parque foi instalado, eu não durmo a noite inteira, não consigo dormir que preste”, relata.

Francisca sofre do mesmo problema causado pelo barulho ensurdecedor e constante das torres de eólicas.

“Eu só durmo dopada, sofro com ansiedade.  A gente fica perturbada mentalmente e eles não ligam para as pessoas. Quando misturam a comunidade com as eólicas acaba tudo em poeira, óleo soltando. Parece que querem acabar com as comunidades. Por isso estou trabalhando com grupos para buscarmos uma solução e evitar que se construam novos parques eólicas em assentamentos e comunidades”, conclui Francisca.

Leia mais - Parte 1 - Empresas transnacionais violam direitos humanos e tomam terras para instalar eólicas

Leia mais - Parte 2 - Implantação de energia renovável desmata, arruína plantações e a saúde da população

Leia mais - Parte 3 - Eólicas: instituição da Arquidiocese de Natal alerta para perda da posse da terra  

Leia mais - Parte 4 - Eólicas provocam insegurança alimentar e morte de animais, alertam entidades

 

Leia mais - Parte 5 - Parques solares e de eólicas no Nordeste geram poucos empregos e a maioria precário

 

Fonte: CUT

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