Venda da Celepar ignora privacidade de dados e vanguarda tecnológica
PACTU
Prestes a completar 60 anos de fundação, a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar), referência em inovação tecnológica e soluções públicas digitais, está praticamente com os dias contados, contrariando a lógica de mercado quando se refere a empresas rentáveis e de vanguarda.
O Governo do Paraná tem ignorado toda a expertise tecnológica da Celepar, que garante a soberania tecnológica do estado, assim como balanços financeiros positivos e a propriedade intelectual de programas, sistemas, plataformas e aplicativos. Além, é claro, da exposição dos dados pessoais e de empresas paranaenses.
A estratégia entreguista foi materializada através do projeto de lei 661/2024, enviado em regime de urgência, na última semana à Assembleia Legislativa. O texto foi aprovado pela base do governo e partidos aliados em menos de uma semana. Na quarta-feira 13, para atender ao governador, a Alep realizou, inclusive, uma sessão extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), três sessões plenárias – uma ordinária, uma extra e outra antecipada de segunda-feira 18. Esse é um belo caso de eficiência, só que às avessas.
Além do modelo de negócio sólido da Celepar, o governador esnoba à constituição e os riscos que a entrega de dados, tanto do Estado quanto dos cidadãos, à gestão privada – o que é proibido de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Nº 13.709/2018) – podem causar. Antes de mostrar situações graves de inconstitucionalidade, quero ressaltar que a Celepar é uma empresa superavitária.
Nos últimos dois anos, a Celepar teve lucro líquido de R$ 130 milhões e faturamento de R$ 760 milhões, ou seja, quase 20% de lucro líquido, percentual que inexiste no mercado hoje em dia. Talvez seja esse um dos principais motivos para o anfitrião do “Clube do Vinho” (ops! dos acionistas da B3) em se esforçar tanto para agradar ao mercado.
Agora, vou me ater à bomba-relógio que é esse projeto e que, em breve deve ser sancionado pelo governador. O Paraná Inteligência Artificial (PIÁ), plataforma digital do Governo do Paraná, por exemplo, oferece mais de 5.800 serviços públicos do Estado, do Governo Federal e dos municípios. Entre os serviços mais acessados, segundo matéria do site da Celepar, estão emissão de certificados de registro e licenciamento de veículos, consulta de medicamentos na Farmácia do Paraná, emissão de credenciais de estacionamento para idosos, contracheque e informe de rendimentos.
Além desses dados, que já são de suma importância, a Celepar administra todos os dados sobre saúde, segurança, educação e também de ordem econômica, tanto do Estado quanto de empresas privadas. Já imaginou tudo isso na mão do mercado? Ou na mão de criminosos? Sim, sem o tratamento adequado, dados de policiais, juízes e promotores podem parar com organizações criminosas. Já imaginou o resultado?
Este é um ponto que merece muita atenção, porque a proteção de dados pessoais é um direito fundamental, essencial para a vida digna das pessoas. Tanto é que a LGPD foi instruída para resguardar esse direito, apesar do Governo do Paraná insistir em ignorá-la. Caso o governador Ratinho e sua assessoria jurídica tivessem a LGPD como norte, facilmente, entenderiam que a venda da Celepar é uma afronta à legislação citada.
Em nenhum caso o tratamento da totalidade dos dados pessoais para fins de segurança pública, defesa nacional, segurança nacional ou atividades de investigação e repressão de infrações penais, poderá ser realizado por pessoa jurídica de direito privado, salvo aquela que possua capital integralmente constituído pelo Poder Público, conforme o §4º do art. 4º da LGPD.
Porém, as manobras do anfitrião do “Clube dos Acionistas da B3” não param por aí. Veja esse título: “Celepar está entre as melhores empresas do sul do país, segundo levantamento do Grupo Amanhã”. O texto dessa matéria, publicada pela comunicação do Governo do Estado, ressalta a relevância da Celepar no cenário tecnológico e a sua contribuição para a modernização da gestão pública. A estatal também subiu 47 posições no ranking citado em um ano.
Depois de ler essa matéria no site do Governo do Estado, publicação do dia 29 de outubro deste ano, você aceitaria como justificativa de venda da Celepar a necessidade de “proporcionar maior dinamismo à sua gestão, a fim de favorecer a inovação e a geração de empregos qualificados”? No mínimo, as informações são incoerentes. Na verdade, volto a dizer, faz parte de uma estratégia entreguista. O slogan do capitalismo desenfreado é que as empresas só funcionam bem na mão da iniciativa privada, mas sabemos que não é bem assim. O caso Enel, em São Paulo, não me deixa mentir.
Voltando a Celepar, destaco que a plataforma PIÁ, mencionada acima, recebeu o prêmio de Melhor Solução de Serviços à População pela ABEP-TIC em 2018. Ou seja, a Celepar é pioneira em tecnologia e serviços públicos digitais inovadores. Tem também profissionais altamente qualificados e presta serviço para diversos órgãos públicos, sem licitação. Esse é um ponto não abordado pelo PL 661/2024. Quem levar a Celepar vai levar também seus contratos?
Não podemos deixar de falar ainda da propriedade intelectual da Celepar, que ao longo desses 60 anos desenvolveu inúmeros programas, sistemas, plataformas e aplicativos, como o PIÁ e também Paraná Agro e o SIAGRO. Esse acervo tecnológico é valiosíssimo e não é mencionado no projeto enviado, mas, com certeza, será muito bem avaliado pela B3, quando a Celepar não for mais pública.
São muitos os questionamentos em torno desse projeto que atende exclusivamente uma política de governo entreguista, empregada com afinco no Paraná. Por aqui, infelizmente, vemos que quem deveria zelar pelos interesses públicos dos paranaenses optou por fazer do Palácio Iguaçu uma filial da B3, afinal, muito em breve mais uma empresa pública eficiente e tentável irá a leilão. Já os paranaenses, de verdade, que amam e respeitam o Paraná, não fogem à luta nem se dobram a interesses escusos. Jamais fugirei e jamais me dobrarei aos interesses dos megaempresários.
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