Entidades da sociedade civil rejeitam fim da neutralidade da rede no Brasil
PACTU
“Aqui o custo político é maior. Não é fácil mexer no Marco Civil, uma legislação de referência internacional e um texto construído democraticamente por um longo processo”, diz o Idec, ao comentar medida adotada nos Estados Unidos
São Paulo – Depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou o fim da neutralidade da rede, por meio de decisão da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês), na quinta-feira (14), empresas de telecomunicações começaram a discutir a adoção de medidas semelhantes no país.
A regra que foi derrubada nos Estados Unidos impedia provedoras de acesso à internet de tratar de forma discriminatória os dados que circulam em suas redes, de bloquear sites, de piorar ou retardar as conexões intencionalmente e de priorizar serviços e informações de parceiros. Sem a neutralidade, as operadoras poderão adotar essas práticas, estando autorizadas a vender pacotes diferenciados como no caso da TV por assinatura – um somente com e-mail, outro com redes sociais e vídeos e assim por diante.
Para especialistas e organizações da sociedade civil, no entanto, não há relação entre a decisão da Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos e o quadro brasileiro. Segundo a conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br) Flávia Lefèvre, as legislações dos dois países são bastante diferentes. Enquanto lá o acesso à internet é tratado como serviço de telecomunicações, aqui é considerado serviço de valor agregado, não cabendo sua regulação à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A revogação teria de passar, portanto, por uma mudança no Marco Civil da Internet. Na avaliação de Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diferentemente dos Estados Unidos, em que bastou a decisão da FCC, a aprovação de uma lei alterando o Marco Civil seria mais difícil. “Aqui o custo político é maior. Não é fácil mexer no Marco Civil, uma legislação de referência internacional e um texto construído democraticamente por um longo processo.”
Para além da dificuldade do processo, Flávia Lefèvre e Zanatta consideram que no mérito a revogação ou flexibilização seria um grande retrocesso. Se por um lado as empresas buscam isso para aumentar seus lucros e ganhar capacidade de vender pacotes diferenciados, por outro para os usuários tal cenário poderia trazer prejuízos.
“Se você quebra a neutralidade em um país com condições tão desiguais como é o caso do Brasil, em que só temos 50% dos domicílios conectados e a maioria pelo celular, a diferença pode se aprofundar com prejuízos claros para finalidades de inclusão digital e universalização do acesso à internet, objetivos previstos em lei e que devem, portanto, ser respeitados”, alerta a conselheira do CGI Br.
Com reportagem de Jonas Valente, da Agência Brasil.
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