Desde o golpe, País está num abismo e não há mais democracia
PACTU
O abismo em que estamos pode se aprofundar se impedirem candidatura de Lula, alerta a filósofa Márcia Tiburi, que afirma: golpe rasgou a Constituição. O Brasil vive hoje um Estado de Exceção
Para que uma democracia seja sustentada é preciso legalidade, lastro jurídico, ética e respeito às diferenças. O golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff ignorou esses preceitos básicos, “não há mais democracia no Brasil”, afirma a filósofa e escritora Márcia Tiburi. Para ela, o País caiu num abismo desde 2015 e “este abismo pode se aprofundar ainda mais”, caso impeçam o ex-presidente Lula de ser candidato nas eleições de outubro.
Em entrevista ao Portal da CUT, a filósofa destaca que o Brasil vive um Estado de Exceção e que a principal tarefa é a unificação das esquerdas e dos setores progressistas da sociedade para reconstruir a democracia.
Márcia estará em Porto Alegre (RS) na próxima semana participando das atividades em defesa da democracia e de Lula programadas pela CUT, pelas principais centrais sindicais, pelos movimentos sociais e pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo.
No dia 24, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) vai julgar o recurso da defesa de Lula contra a sua condenação descabida e sem provas imposta pelo juiz Sérgio Moro. “Em uma democracia, o ex-presidente não deveria sequer ser julgado, mas a Constituição que sustentava esse regime foi rasgada”, assinala a filósofa, se referindo ao golpe.
Márcia Tiburi é doutora em Filosofia e autora de diversos livros, entre eles “Como conversar com um fascista” (2015), “Olho de vidro: A televisão e o estado de exceção da imagem” (2012), “Mulheres, Filosofia ou Coisas de Gênero” (2008).
Confira a entrevista:
Portal da CUT – Por que você afirma que não há mais democracia no Brasil?
Márcia Tiburi – A democracia é o convívio das diferenças e, logicamente, onde há diferenças há conflitos que precisam ser administrados. No Brasil, estávamos experimentando a democracia contemporânea, que implica na sustentação de direitos de todos os cidadãos e do respeito às suas diferenças. Para esse regime se sustentar, é preciso legalidade, lastro jurídico, ética e respeito às diferenças. Mas, desde o golpe contra Dilma Rousseff, a democracia acabou.
Portal da CUT – Então, sob qual regime estamos vivendo agora?
Márcia Tiburi – O golpe, que teve a participação ingênua de muitas pessoas e dolosas de outras, trouxe um marco destrutivo da política, com a retirada de Dilma Rousseff de seu lugar de direito como presidenta eleita. E, com os ataques sucessivos que passaram a vir na sequência, passamos a viver o que vários teóricos chamam de Estado de Exceção. A Constituição foi cancelada a partir do golpe. Hoje em dia, ninguém mais consegue citar a Constituição para fazer valer um direito. E os sujeitos por trás disso tudo, e que se consideram soberanos, abriram um abismo no país.
Portal da CUT – A população tem esta percepção?
Márcia Tiburi – Na minha avaliação, as pessoas que vivem o seu dia a dia, que ainda não perderam seus empregos e seus direitos, talvez ainda não percebam o tamanho da cratera sob os nossos pés, o abismo do qual não se conseguirá sair tão cedo.
Portal da CUT – Nesse cenário, o que representa o processo contra o ex-presidente Lula?
Márcia Tiburi – Se fosse para respeitar o que determina a Constituição brasileira, a sentença que condenou Lula deveria ser anulada, mas como ela foi rasgada... Infelizmente, isso tudo vem sendo construído a partir da mística criada em torno da Operação Lava Jato, de sua seletividade e dos métodos utilizados, com a mídia incitando o ódio na população. Hoje, muitos já percebem que o “foco” que se colocou nela só serviu para desviar nosso raciocínio. A corrupção não acabou e ainda corromperam a Constituição. Ela, que servia de garantia a um pacto básico, se foi, e isso é estratégico para os interesses em jogo. Por isso, se o TRF-4 confirmar a sentença da primeira instância, a cratera sob nossos pés ficará ainda mais profunda.
Portal da CUT – O que é preciso fazer para recuperar a democracia?
Márcia Tiburi – Quero deixar claro que nunca fui do PT, nunca fui lulista, dilmista. E percebo que o que tem sido feito contra partidos como o PT, o que fizeram contra Dilma e contra Lula, é caça às bruxas, é tentativa de destruição da Nação brasileira. Por isso, precisamos produzir uma política de diálogo entre as esquerdas, de mais coragem. Para mim, é absolutamente necessária a unificação da esquerda nesse momento. Percebo que cada vez mais as pessoas desse campo entendem o estado de urgência política e, com clima de diálogo, podemos crescer juntos e avançar para reconstruir a democracia. E o apoio a Lula é um passo importante nessa direção.
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