Entidades debatem reforma tributária: ‘pobre trabalha 197 dias para pagar impostos, rico 106’

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Entidades debatem reforma tributária: ‘pobre trabalha 197 dias para pagar impostos, rico 106’

A série de debates promovida pela Adufrgs-Sindical colocou em pauta nesta sexta-feira (1º) as reformas que estão sendo promovidas pelo governo e pelo Congresso federal. Sob o tema “A Reforma que o Brasil precisa”, o debate discutiu a necessidade de o País realizar uma reforma tributária que enfrente a questão da desigualdade social e o impacto da reforma da Previdência nos servidores públicos federais.

Abrindo a primeira mesa, a professora Rosa Chieza, da Faculdade de Ciências Econômicas, apresentou a proposta da Reforma Tributária Solidária, elaboradora pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), com o apoio de diversas entidades do funcionalismo público e da sociedade civil.

Rosa questionou em sua fala a ideia de que o Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo. Além de pontuar que a o volume de tributação do país está abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), destacou que ela afeta desproporcionalmente as camadas mais pobres da população. Segundo os dados que apresentou, quem ganha até dois salários mínimos dedica 197 dias do ano para pagar impostos, o que representa uma carga tributária de 53,9% sobre toda a sua renda. Já quem ganha acima de 30 salários mínimos, leva 106 dias para pagar uma carga tributária de 29%.

Rosa Chieza, professora da Faculdade de Ciências Econômicas | Foto: Luiza Castro/Sul21

Isso ocorre porque a tributação brasileira é altamente concentrada no consumo e apresenta pouca progressividade na renda, não incidindo sobre lucros e dividendos — junto apenas com a Estônia –, tendo baixíssimas alíquotas na transferência de herança em comparação com os países da OCDE (no Brasil, a alíquota máxima na herança é de 8%, na Bélgica chega a ser de 80%) e não cobrando IPVA de coisas como helicópteros e lanchas. Por outro lado, possui a segunda maior carga tributária sobre o consumo, atrás apenas da Hungria. “É justamente a tributação sobre o consumo que vai penalizar mais o cidadão de baixa renda”, afirmou a professora Rosa.

Para promover maior progressividade, a proposta das entidades é a realização de uma reforma tributária solidária, que tem como base cobrar proporcionalmente de quem tem mais, garantir a sobrevivência da seguridade social e manter um equilíbrio entre os entes federativos. Rosa destaca que a proposta se diferencia daquelas que estão tramitando em Brasília — como a PEC 45, que segue de uma proposta redigida pelo economista Bernard Appy –, porque aquelas visariam apenas uma simplificação tributária, enquanto a solidária enfatiza a necessidade de tornar o sistema brasileiro mais progressivo.

Rosa aponta que, atualmente, 31% da renda não é tributável no Brasil, sendo a maior parte disso referente à distribuição de lucros e dividendos para pessoas físicas. No entanto, quem recebe acima de 320 salários mínimos, tem, em média, 70% de sua renda isenta de tributação. “O sistema brasileiro é progressivo até 30 salários mínimos, depois se torna fortemente regressivo”, disse.

A proposta da reforma solidaria é que sejam estabelecidas sete faixas de tributação de renda, começando a aumentar a isenção para quem ganha até quatro salários mínimos (SMs). Quem recebe de 4 a 7 SMs, teria uma alíquota de 7,5%, De 7 a 10, 15%. De 10 a 15, 22,5%. De 15 a 40, 27,5%. De 40 a 60, 35%. E, acima de 60, 40%. Segundo Rosa, isso faria com que 38,65% dos declarantes fossem isentos, 48,79% pagariam menos impostos do que pagam hoje, 10,02% não seriam afetados e apenas 2,73% teriam um aumento de carga tributária, o que representa cerca de 750 mil brasileiros.

Proposta de novas faixas de alíquotas para Imposto de Renda | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Com essa mudança, a expectativa seria de aumento da arrecadação na casa de R$ 250 bilhões. Além disso, projeta um incremento de mais R$ 73 bi com novas alíquotas sobre patrimônio e outros R$ 30 bi com mudanças na tributação de transações financeiras. Para compensar esse aumento, a reforma solidária propõe a redução de tributação no consumo, na ordem de R$ 230 bi, e sobre a folha salarial, na ordem de R$ 78 bi. No total, os cálculos das entidades estimam um ganho tributário na casa dos R$ 46 bi, considerando os números atuais da economia.

César Roxo Machado, vice-presidente de Assuntos Tributários da Anfip, destacou que a necessidade de uma reforma tributária solidária se dá justamente pelo fato de o Brasil ser um país extremamente desigual, o nono mais desigual do mundo. “Quando se fala da necessidade de uma reforma tributária, o foco é sempre que a carga é alta, que o sistema é complicado, mas dificilmente se ouve dizer que é porque o nosso sistema é extremamente regressivo”, afirmou.

Machado destacou em sua apresentação que é a própria dirigente-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, quem diz que a desigualdade de renda é o principal fator que limita a eficiência de uma economia. “E como se enfrenta isso? Com estado de bem-estar social e com um sistema tributário progressivo”, disse.

César Roxo Machado, vice-presidente de Assuntos Tributários da Anfip | Foto: Luiza Castro/Sul21

No entanto, como pontuou, não há como aplicar a progressividade na tributação sobre o consumo, em que as alíquotas são repassadas para o consumidor e quem tem menos paga mais proporcionalmente, apenas sobre renda e propriedade. “Como não dá pra implementar a progressividade no consumo, tem que diminuir a participação do consumo na tributação”, defendeu.

Machado disse que a proposta de reforma solidária também ataca a questão da simplificação, com a criação de um imposto único estadual que reúna o ICMS e o ISS e a unificação, substituição e eliminação de alguns tributos federais. Segundo ele, a reforma solidaria já foi encampada por seis partidos da oposição e apresentada, com algumas alterações, na forma de emenda substitutiva global à PEC 45, isto é, para substituir a proposta de Bernard Appy, que está com a tramitação mais avançada no Congresso, na íntegra.

Impactos da Reforma

O segundo tema de debate desta sexta-feira foi o impacto da reforma da Previdência nos servidores federais, o que inclui a categoria dos professores de instituições federais de ensino.

Diretor da Adufrgs, Eduardo Rolim de Oliveira apresentou um estudo sobre este impacto. Rolim começou sua fala dizendo que os trabalhadores da iniciativa privada vão ser os mais prejudicados pela reforma, mas que esta também traz um grande impacto para os servidores. “De nós, vai exigir mais anos de trabalho. Dos pobres, vai praticamente inviabilizar a aposentadoria.

Rolim destacou que a reforma atinge de maneira diferente o que chamou de gerações de servidores — aqueles que entraram no serviço público antes de 2003 e já estão aposentados (geração 1), aqueles que entraram antes de 2003 e estão na ativa (2), quem entrou após a reforma de 2003 (3), quem entrou após a criação dos regimes complementares de capitalização em 2013 (4), quem vai entrar depois da promulgação da reforma (5) e quem poderá entrar a partir de mudanças feitas na aposentadoria por meio de lei complementar (6).

Ele salientou que a maior parte dos servidores estão na terceira e na quarta gerações (mais de 70%), por causa da grande expansão do ensino superior a partir de 2006.

Para os servidores ainda da ativa, independente do ano de ingresso, há duas regras para se aposentar. A primeira, define que mulheres acima de 57 anos, com 30 de contribuição, e homens acima de 60, com 35 de contribuição, tem que pagar um pedágio de 100% do tempo para conseguirem se aposentar. Isto é, se faltam dois anos para se aposentar, precisarão cumprir quatro. Para quem está mais distante da aposentadoria, vale a regra dos pontos. Isso significa que, a partir de 2019, serão necessários 86 anos de contribuição e idade somados para garantir a aposentadoria. No entanto, essa pontuação sobe anualmente até chegar a 100, para mulheres, em 2033, e a 105, para homens, em 2028. “É um prejuízo claro para as mulheres na comparação com os homens”, afirmou Rolim.

Novos alíquotas que serão cobradas dos servidores federais | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

A reforma também mudou os vencimentos dos servidores após a aposentadoria. Aqueles da segunda geração, que ainda têm direito a paridade com a atividade e a integralidade no momento da aposentadoria, só terão esses benefícios se tiverem a idade mínima para aposentadoria integral. Já os da 3 e da 4, que recebem até o teto do INSS e por capitalização individual acima disso, receberão uma média de 100% das contribuições, enquanto atualmente as 20% menores são descartadas. Além disso, só receberá o salário integral (caso abaixo do teto) quem tiver 40 anos de contribuição, uma vez que o cálculo para o pagamento das aposentadorias será de 60% para quem tiver 20 anos de contribuição, acrescido de 2% para cada ano adicional de contribuição.

Ele destacou ainda mudanças como o fim da isenção dupla (o dobro do teto) de contribuição previdenciária para quem se aposenta por invalidez, o fato de que a aposentadoria por incapacidade só será possível para quem não tiver condições de se readaptar para outra função e o fim da acumulação de pensão e aposentadoria integrais em caso de viuvez, como funciona hoje, com o detalhe de que essa medida já vale para todo mundo, independente da geração, a partir da promulgação da lei. “Se é um casal de servidores e um dos dois está para morrer entre hoje e dezembro, é melhor que morra agora”, ironizou Rolim.

Rolim apresenta mudanças nas regras para o pagamento de pensões | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Vilson Antonio Romero, coordenador de estudos socioeconômicos da Anfip, destacou ainda que há dois mitos que estão circulando sobre a reforma da Previdência e que não condizem com a realidade do texto aprovado. O primeiro deles é de que a reforma que passou no Senado em outubro não prevê o mesmo grau de desconstitucionalização que o texto original. No entanto, ele salienta que apenas questões como a idade mínima e alguns princípios que regem a Previdência permaneceram como matéria constitucional — precisando de três quintos dos votos no Congresso para serem mudados –, enquanto 32 itens podem, a partir da promulgação, serem alterados por lei complementar, o que precisa apenas de maioria (metade das cadeiras mais uma). “Rasgaram a constituição no que diz respeito à Previdência”, disse.

O segundo mito é que o Congresso teria derrubado a capitalização. Romero argumentou que, à primeira vista, essa informação procede, mas que em um olhar mais profundo o “filé” do mercado da Previdência complementar foi aberto a empresas privadas, uma vez que fundos privados podem agora competir pela aposentadoria complementar de servidores. Antes, apenas entidades de direito público poderiam administrar os recursos da capitalização dos servidores.

Romero destacou ainda que o Congresso deu um “cheque em branco” para o governo ao colocar no texto da reforma a possibilidade de cobrança de alíquotas extraordinárias em caso de necessidade econômica da União.

Fonte: Sul21

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