Fim da dedução do trabalho doméstico no IR atinge classe média e precariza trabalho

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Fim da dedução do trabalho doméstico no IR atinge classe média e precariza trabalho
A dedução tinha um limite de R$ 1,2 mil de desoneração do Imposto de Renda para quem formalizava as contratações dos empregados domésticos / Arquivo/ Agência Brasil

Especialistas criticam medida que impede compensação de despesa na declaração do Imposto de Renda

Nara Lacerda

A precarização do trabalho doméstico ganha mais um aliado com a decisão do governo de impedir que gastos com esse tipo de serviço sejam deduzidos do Imposto de Renda. Especialistas em direito trabalhista e tributação, ouvidos pelo Brasil de Fato, afirmam que a medida vai representar um valor muito baixo de retorno para o governo e onerar a classe média. Representantes dos trabalhadores domésticos temem um retrocesso nos avanços conseguidos nos últimos anos para diminuir a informalidade no setor.

A lei que permite a dedução foi criada em 2006 com a intenção de estimular a formalização desse tipo de trabalho. Para compensar o valor gasto, era preciso comprovar a regularidade do trabalhador perante o regime da Previdência Social. O texto também proibia descontos no salário dos empregados por alimentação, vestuário, higiene ou moradia e estabelecia direito à férias remuneradas.

O juiz Mauro Augusto Ponce de Leão, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, afirma que há uma obrigação histórica de tirar o trabalho doméstico da informalidade e que a lei era mais um reforço nesse sentido. 

“Encerrar isso, evidentemente, é trazer de volta essa informalidade que não se encerrou, apenas minimizou. É muito difícil a gente compreender que, para haver uma reforma tributária, eu tenha que prejudicar o trabalhador. Ao que parece, isso é muito claro: a informalidade voltou ao Brasil não apenas com o empregado doméstico, mas em tantas outras atividades. O encerramento dessa possibilidade de dedução do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] no Imposto de Renda do empregador doméstico é trazer mais pessoas para a informalidade. Não há dúvida disso.”

A equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro defende o fim de todas as possibilidades de dedução no Imposto de Renda, com a justificativa de que elas representam um benefício aos mais ricos.

A economista Iriana Cadó, especialista em economia social e do trabalho e mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), refuta esse raciocínio e afirma que a classe média será a grande atingida pela extinção da compensação dos gastos com trabalho doméstico.

“Quando você olha mais atentamente a estrutura do benefício, ele tem um limite que é de R$ 1,2 mil de desoneração do Imposto de Renda para os empregadores que formalizavam as contratações dos empregados domésticos. Reduzir ou extinguir não traz grandes valores em termos arrecadatórios e não responde à questão de justiça social em termos do Imposto de Renda, porque onera mais fortemente as camadas da classe média. Portanto, ainda que o [ministro da Economia] Paulo Guedes venha a dizer que isso pode trazer respostas a um aspecto que é muito injusto no nosso sistema tributário, que é a regressividade, ou seja: o fato de os impostos recaírem mais fortemente nas faixas de renda mais baixas, ele não resolve esse problema. No final, ele acaba impactando as faixas de renda intermediárias e não impacta as altas camadas de rendimento que são as que ganham mais de 20 salários mínimos.”

Mais ricos

Apesar de ter cortado as possibilidades de dedução dos gastos com trabalho doméstico no IR e de defender o fim de todas as deduções, o governo é mais cauteloso ao tratar do aumento de impostos para os mais ricos.

Em dezembro do ano passado, ao participar de um evento sobre a reforma tributária, a assessora especial do Ministério da Economia, Vanessa Canado, afirmou que há a intenção de tributar os mais ricos, mas sem correr o risco de que a renda dessa parte da população seja levada para o exterior.

Ao falar sobre eventuais mudanças no Imposto de Renda, Canado ressaltou que a tributação mais elevada poderia levar os contribuintes a buscar formas de escapar das cobranças. As contratações sem carteira assinada e com obrigações menores frente a legislação trabalhista seriam uma dessas saídas, justamente a precarização que agora ameaça atingir ainda mais o trabalhador doméstico.

“Precisamos tomar cuidado porque, embora nós acordemos com relação ao objetivo de tributar mais os mais ricos e não tributar ou tributar menos os que ganham menos, os meios fazem diferença. Não basta publicar uma lei dizendo que as pessoas que ganham mais de R$ 6 mil vão pagar 27,5% de Imposto de Renda. Há muitas formas de contratação pelas quais quem ganha R$ 6 mil não vai pagar”.

Categoria

Para os trabalhadores, a medida também preocupa. A advogada do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo, Nathalie Rosário, afirma que a informalidade voltou a aumentar no setor com a crise econômica e que a medida deve precarizar ainda mais as contratações.

“Com a queda da possibilidade de deduzir esse gasto do Imposto de Renda, ou vamos enfrentar demissões ou trabalhadoras vão se tornar diaristas, aquelas pessoas que trabalham duas vezes por semana na mesma residência sem nenhum vínculo. Estamos enfrentando muitos retrocessos sociais. Isso reflete muito na nossa classe. Se uma trabalhadora não tem formalidade, não tem registro e o governo ainda dificulta, dificilmente essa trabalhadora consegue se aposentar. É uma medida totalmente preocupante porque a categoria doméstica sempre foi marginalizada. A sociedade ainda tem raízes escravocratas e o pior é ver o governo tratar a categoria dessa forma."

O benefício tinha validade até 2019 e, para ser mantido, dependia de alteração na lei por parte do Congresso Nacional. No entanto, o governo não fez nenhum pedido nesse sentido. Atualmente, há dois projetos no legislativo sobre o assunto, um deles propõe aumentar a validade do benefício até 2024 e o outro torna a dedução permanente, mas os dois textos ainda estão em análise. A aprovação este ano precisa enfrentar o governo e só passaria a valer em 2021. 

Edição: Camila Maciel

Fonte: Brasil de Fato

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