Maioria dos atingidos por enchentes em Minas foi alvo da lama da Vale

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Maioria dos atingidos por enchentes em Minas foi alvo da lama da Vale
Enchente em Governador Valadares: município banhado pelo rio Doce está em estado de emergência - Samuel Perpétuo/Arquivo Pessoal

Dos 196 municípios em estado de emergência, 88 estão na bacia do rio Doce e 20 na do Paraopeba. A maioria dos mortos também está nessa região

A Defesa Civil do Estado de Minas Gerais divulgou nesta sexta-feira (31) que o número de municípios em situação de emergência por causa das chuvas subiu para 196 e que 55 pessoas morreram. Chove forte em todo o estado desde o dia 24.  Levantamento feito pela RBA revela que desse total de localidades, onde mais de 50 mil pessoas continuam fora de suas casas, 108 estão às margens de rios por onde avançou a lama de rejeitos de mineração da Vale.

São 88 na bacia do Rio Doce, como Barra Longa, Barão de Cocais, Coronel Fabriciano, Caratinga, Ervália, Guaraciaba, Itabira, Manhuaçu, Naque, Ponte Nova, Pedra Bonita, Santa Bárbara, São Geraldo, Sem-Peixe, Ubá e Mariana – onde a barragem da Samarco, controlada pela Vale, rompeu-se em 2015. Entre os 20 localizados na bacia do Paraopeba estão Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Betim, Esmeraldas, Ouro Branco e Brumadinho.

“Com o assoreamento do rio e as enchentes, a lama se espalha por locais por onde antes não passava. Os atingidos vivem um processo de envenenamento crônico, há estudos que comprovam que a poeira domiciliar está contaminada com metais altamente tóxicos”

O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, liberou um volume estimado em 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, água e materiais utilizados em sua construção, que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, a 35 quilômetros de Mariana.

Segundo nota técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e do Recursos Naturais Renováveis, a onda resultante do rompimento da barragem avançou, levando consigo parte da vegetação e do substrato pelas águas do córrego Santarém e rios Gualaxo do Norte e do Carmo por 77 quilômetros até alcançar o Rio Doce. Dali seguiu por 650 quilômetros, até a foz, em Linhares, no Espírito Santo.

Há um ano, em 25 de janeiro de 2019, enquanto trabalhadores almoçavam no refeitório da Vale em Brumadinho, a barragem da mina do Córrego do Feijão se rompeu. Mais de 12 milhões de metros cúbicos de lama foram expelidos a uma velocidade superior a 80 quilômetros por hora, atingindo o Paraopeba no mesmo dia. Dois meses depois, a lama já havia chegado ao Rio São Francisco.

Não é coincidência

Enchentes em localidades por onde passou a lama de rejeitos da Vale que matou 19 pessoas em Mariana, 272 em Brumadinho e deixou desaparecidas pelo menos 12 não são obra do acaso, segundo a professora Dulce Maria Pereira, do Laboratório de Educação Ambiental da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

“As enchentes têm a ver com o rompimento das barragens porque houve um impacto geológico muito severo com o volume de água bem maior do que o normal. Essa mudança que a gente vê na paisagem decorre desse impacto geológico. Tivemos cerca de 55 milhões de metros cúbicos de lama de resíduos de mineração atingindo os territórios, lama que não levou só os próprios contaminantes como os dispersou Isso causa uma série de problemas”, explica a professora.

Segundo ela, a concentração de rejeitos aumenta a temperatura da água. Dulce cita uma pesquisa feita na Ufop que identificou alteração de sete graus na superfície da água em Barra Longa e Mariana. “Estamos conferindo esses dados com colegas em universidades nos Estados Unidos e no Canadá porque esse dado é muita coisa. Com isso, há uma interferência severa no ciclo das águas. E a gente tem todos os outros fatores históricos, de canalizar córregos, sem que haja investimento na recuperação de matas ciliares, que foram afetadas com a força dos rejeitos varrendo tudo”, afirma.

Na quinta-feira (30), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) responsabilizou a mineradora Vale pelo assoreamento dos rios Doce e Paraopeba. O movimento leva em consideração os rejeitos de minério depositados após os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho.

“Com o assoreamento do rio e as enchentes, a lama se espalha por locais por onde antes não passava. Os atingidos vivem um processo de envenenamento crônico, há estudos que comprovam que a poeira domiciliar está contaminada com metais altamente tóxicos”, afirmou José Geraldo Martins, militante do MAB.

Segundo Martins, as pessoas sofrem com a exposição à lama durante o período chuvoso e também com a lama seca, quando se transforma em poeira. “Então passa a espalhar partículas de metais como cádmio, alumínio, chumbo, ferro, manganês e níquel”, disse.

Moradora da cidade de Juatuba, na lista da defesa civil, e atingida pelo crime da Vale em Brumadinho, Joelísia Feitosa afirmou que com o início das inundações o MAB protocolou documento junto à força tarefa do Ministério Público na sexta-feira (24). E que a Vale não manifestou intenção de qualquer tipo de apoio diante da situação.

“Muita gente perdeu suas casas e agora está sem qualquer tipo de orientação com relação aos cuidados com a saúde. Os animais estão morrendo bebendo a água contaminada”, disse o integrante do MAB.

Na avaliação do movimento, a mineradora deve orientar a população sobre os riscos à saúde e ser a responsável pela reparação integral dos danos causados nas regiões afetadas pelas enchentes, que agora têm a lama tóxica como agravante. Além disso, o MAB reforça a denúncia de que, até hoje, a empresa não contratou as assessorias técnicas – direito garantido judicialmente pelas populações e que irá auxiliar os atingidos a obterem informações técnicas seguras que serviram de subsídio nas reivindicações dos direitos após os crimes em Mariana e Brumadinho.

A Fundação Renova, criada a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta para coordenar ações de reparação em Mariana, nega, por meio de nota, que haja contaminantes na água.

Fonte: Rede Brasil Atual

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