Coronavírus: o medo dos operadores de telemarketing que trabalham expostos à contaminação
PACTU
As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para evitar o contágio por coronavírus são repetidas exaustivamente por veículos de imprensa, órgãos oficiais e até artistas em redes sociais.
Manter uma distância mínima de 2 metros entre uma pessoa e outra é uma das principais. Mas algumas empresas de telemarketing têm ignorado o alerta.
A BBC News Brasil ouviu operadores de telemarketing que disseram trabalhar a poucos centímetros uns dos outros em espaços sem ventilação com até 400 funcionários.
Em alguns desses, há pessoas trabalhando com sintomas do vírus e até casos confirmados, segundo informações obtidas com os operadores.
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Henrique*, operador de telemarketing na Atento, em Salvador, disse que nenhuma medida tinha sido implantada para manter a distância entre os cerca de 250 funcionários que trabalham no mesmo andar que ele.
"Eu trabalho em um módulo de quatro andares e só colocaram álcool gel na recepção do primeiro. Próximo a elevadores e nos demais andares não tem nada. Cada corredor tem de 10 a 12 postos de atendimento telefônico onde as pessoas sentam lado a lado, apertados, e com grande movimentação o tempo todo", relatou o funcionário.
Aglomeração e pouca limpeza
Ele conta que o esquema de limpeza também não foi alterado e que a higienização e descontaminação dos computadores é feita apenas uma vez ao dia. Diz ainda que o acesso à sala de operação é feito por uma porta de vidro com maçaneta de metal, que também só é higienizada uma vez por dia.
"Temos três espaços para almoçar, mas apenas um é aberto. Os outros são internos, com cerca de 15 mesas juntas. Cada uma com quatro cadeiras cada. Nos horários de pico, das 11h às 13h, esses espaços ficam lotados", afirmou.
Operadores a poucos centímetros de distância em sala de operação da Atento em Salvador; andar tem mais de 250 postos
Ele conta que a Prefeitura de Salvador determinou uma redução de 30% no quadro de funcionários, mas ele não percebeu nenhuma diferença na empresa desde então.
E diz que algumas operações poderiam ser feitas de casa e que alguns funcionários vão até o prédio apenas para responder emails.
Procurada sobre a questão, a Atento informou que está adotando as medidas de segurança recomendadas pela OMS.
Disse ainda que os funcionários "estão recebendo, regularmente, orientações de prevenção, bem como procedimentos no caso de suspeita da enfermidade. Priorizamos a atuação em home office e afastamento remunerado de colaboradores acima de 60 anos e gestantes."
A empresa disse ter intensificado as rotinas de limpeza, "principalmente nos pontos de maior contato". E afirmou ter colocado "álcool em gel nas áreas comuns e ampliado a comunicação com instruções de prevenção, bem como implementado medidas para criar um maior espaçamento entre os profissionais."
São Paulo
Mesmo após decretar quarentena em todo o Estado de São Paulo, o governador João Doria não fez nenhuma restrição específica ao serviço de telemarketing.
Mesmo assim, na sexta-feira (20/03) a Vigilância Sanitária de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, determinou a interdição de um escritório da Atento na cidade. O órgão alegou que a unidade colaborava para a propagação do coronavírus.
Operador de telemarketing diz que empresa disponibiliza apenas um frasco de álcool em gel para atender prédio de quatro andares
A prefeitura disse que o local só poderia ser reaberto quando passasse a oferecer álcool em gel para os funcionários, afastasse as mesas para manter uma distância mínima de segurança entre os operadores e permitir que trabalhassem de casa todos que pudessem.
A empresa afirmou em nota à reportagem que a unidade já foi reaberta.
Levar para casa
O medo se tornou uma rotina no dia a dia de Tatiane* há pelo menos uma semana.
Ela disse que a apreensão começou após três colegas de trabalho terem sido afastados por suspeita de terem contraído coronavírus na empresa Teletech, localizada no Shopping União, em Osasco, na Grande São Paulo.
O pânico dos funcionários levou a empresa fechar a sala de "descompressão" — usada para relaxar durante o expediente. O motivo é que a sala era usada com frequência pelos funcionários contaminados e a empresa teme que o vírus ainda esteja presente no local.
"A sala onde trabalhamos não tem ventilação com janelas, apenas ar-condicionado. Tudo errado. Mas nosso maior medo é levar o vírus para casa. Muitos funcionários moram com pais ou avós idosos e ainda passam horas no transporte público. A chance de contaminação é alta", afirmou Tatiane.
Após os afastamentos, a funcionária disse que os operadores foram colocados a uma distância de 2 metros entre si. A medida, segundo ela, foi vista apenas como um pequeno alívio, pois o medo de contaminação é tão grande que está atrapalhando o desempenho.
"Trabalhamos para uma seguradora. As pessoas nos ligam em situações difíceis e precisamos estar calmos. Toda essa situação está afetando nosso serviço porque estamos num constante pânico", afirmou.
Os funcionários da empresa disseram ter conversado com supervisores sobre a possibilidade de fazer home office. Os responsáveis, porém, apenas intensificaram a limpeza dos postos de trabalho entre um turno e outro e aumentaram a oferta de álcool em gel em todos os ambientes.
"Você sai do seu posto e entra outro imediatamente no seu lugar. Mesmo que seja limpo, a gente fica com medo", afirmou outra funcionária da empresa.
A empresa também afastou os funcionários acima de 60 anos e gestantes.
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Diretora do sindicato diz que criou comitê de saúde para cobrar implantação de medidas que garantam a segurança dos funcionários
A Teletech afirmou que não há casos confirmados de coronavírus no prédio mencionado pela reportagem e que fechou a sala de descompressão como medida preventiva para que ela esteja higienizada, caso seja necessária.
A empresa disse ainda que "ofereceu a todos os funcionários a opção de ficar em casa e cuidar de suas famílias ou trabalhar". Afirmou ainda que não vai penalizar quem optar por ficar em casa e que está implantando soluções de tecnologia para possibilitar o home office.
Em nota, a Teletech informou que adota as principais recomendações das organizações de saúde para impedir a propagação do vírus, como limpeza profunda a nível hospitalar e distanciamento social. E disse que não fecha durante a quarentena porque é considerado um serviço essencial de empresas que sustentam a vida, como serviços de entrega de alimentos, saúde, bancos e outras instituições.
A diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing (Sintratel) e do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações no Estado de São Paulo (Sintetel), Valmira Luzia, afirmou que o sindicato criou um comitê de saúde para cobrar a implantação de medidas que aumentem a segurança dos funcionários.
"Queremos a aplicação de programas de banco de horas diferenciados, com um pagamento posterior, redução da jornada de trabalho e férias coletivas de pelo menos 14 dias para reduzir o número de pessoas na operação. A convenção garante que os operadores tenham sempre as melhores condições de trabalho. Por isso vamos levar essas questões ao Ministério Público e órgãos de saúde porque são inaceitáveis", afirmou.
Ela informou que ainda vai notificar as empresas que contratam os serviços de telemarketing sobre as condições em que os funcionário são mantidos.
"Estamos fomentando o home office para evitar essas situações. Vamos entrar com ação civil pública contra as empresas que descumprirem a lei. Eu inclusive já tinha denúncias e estou terminando uma notificação contra a Teletech. Ou ela acata ou o próprio tomador do serviço vai ter que acatar. Não faremos greve ou paralisação porque nesse caso é apenas uma questão de respeitar a convenção", afirmou.
Abandonar o posto
O coronavírus também causou pânico em funcionários da empresa LIQ, localizada no bairro do Brás, no centro de SP, que ameaçaram cruzar os braços caso nenhuma medida fosse tomada.
Funcionárias disseram à BBC News Brasil que a empresa tomou algumas medidas de segurança. Mas dizem que o distanciamento entre trabalhadores permanece de poucos centímetros na área responsável pela operação de um dos maiores clientes da empresa, onde os operadores ficam praticamente aglomerados, como mostra foto recebida pela reportagem.
Segundo eles, dois casos de coronavírus foram confirmados entre os funcionários desse setor. Em outra área, responsável pela operação de uma empresa menor, algumas medidas foram tomadas.
"Não há mais funcionários sentados lado a lado, na frente ou atrás. Teve gente que chegou a ameaçar deixar o posto se nada mudasse. Os gestores chegaram a dizer que fariam um revezamento em escala, mas depois desistiram e agora apenas vão dar mais uma folga na semana e flexibilizar os horários para evitar o horário de pico do transporte", afirmou.
Em nota, a LIQ, informou que a atividade "é essencial neste momento em que a população necessita estar operante a partir de suas casas" e que está "seguindo as determinações das autoridades de saúde, tomou todas as providências de sanitização e adequações nas operações para resguardar a saúde de seus colaboradores e da população em geral."
Disse ainda ter intensificado os protocolos de limpeza e higienização, além de reforçar as orientações necessárias para a conscientização dos funcionários para evitar transmissões.
Afirmou que liberou home office para quem tem atividade que permita, liberou as grávidas e demais pessoas do grupo de risco, assim como 20% dos demais funcionários, colocou álcool em gel nos espaços, intensificou a sanitização e faz campanhas de informação e prevenção.
*O nome de todos os entrevistados são fictícios para preservar a identidade dos funcionários.
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