Câmara acata pedido do Governo e retira da pauta MP que ampliava saque ao FGTS

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Câmara acata pedido do Governo e retira da pauta MP que ampliava saque ao FGTS

Medida volta a ser discutida na próxima semana, após apresentação de um Projeto Lei. Fenae e parlamentares da oposição defendem direito do trabalhador, mas demonstram preocupação com a capacidade do Fundo

A pedido do Executivo, por meio de requerimento apresentado pelo líder do governo, Vitor Hugo (PSL-GO, na Câmara, a Casa retirou da pauta a Medida Provisória 946/2020, que ampliava a possibilidade de saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Para organizar os efeitos da MP e garantir que os trabalhadores possam retirar o recurso, a Câmara vai avaliar, com urgência, um Projeto de Lei para ser votado até a próxima quarta-feira (12).

Na semana passada, 29 de julho, a Câmara já havia aprovado a MP 946, com mudanças no texto original. Uma delas foi a ampliação do saque – além de permitir a retirada de até RS 1.045,00, a medida autorizava ao trabalhador com salário reduzido ou contrato suspenso por conta da pandemia, um saque adicional, todo mês, no valor suficiente para fazer com que a sua remuneração volte a ser o que era antes da redução de salário ou suspensão do contrato. 

Na votação no Senado, que aconteceu no dia seguinte, 30 de julho, os parlamentares decidiram aumentar ainda mais a possibilidade do saque.

A bancada do PT votou contra o requerimento que tirou a MP da pauta. O deputado Rogério Correia (PT/MG) chamou de “esquizofrênica” a atitude do governo, já que a MP que liberava os saques foi elaborada pelo Executivo. “A medida provisória é do governo. Nós fizemos alterações nela durante votação na Câmara, depois ela foi para o Senado, onde foi aprovada por unanimidade. Esta medida provisória permite que haja saques no valor de R$ 1.045 mil do FGTS e ela também foi emendada pelo Senado, para que trabalhadores informais desempregados possam fazer esses saques”, explicou.

O deputado demonstra preocupação com a capacidade do Fundo. “É claro que a gente tem preocupação de preservar o FGTS, mas, nessa pandemia, com tanta gente desempregada e precisando deste dinheiro, não há uma hora mais justa para que possa sacar este valor”, avalia. “Depois, evidentemente, vamos precisar fazer uma discussão sobre recomposição do Fundo para manter as políticas sociais financiadas pelo FGTS”.  

“Eu tenho grande preocupação com a preservação do FGTS porque é um recurso que se traduz em saneamento habitacional, em políticas habitacionais e desenvolvimento urbano. Mas a situação em que vivemos é diferenciada. É um momento muito excepcional, com mais de 18 milhões de desempregados, pessoas vivendo uma realidade de muita fome, de desespero e de retração econômica”, avalia a deputada Érika Kokay (PT/DF).

O presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sérgio Takemoto, entende a situação de urgência de recursos para a população, mas avalia que o esvaziamento do Fundo vai prejudicar a retomada da economia. E critica a falta de ação do Executivo. “O governo não tem política para tirar o país da crise. Primeiro pede a liberação dos saques, depois apresenta requerimento para impedir. No meio dessa confusão está a população, que está sofrendo os efeitos da crise e não tem esperança de sair dela, tamanha falta de preparo deste governo”, avalia. “Os recursos do FGTS são imprescindíveis para retomar a economia e gerar emprego e renda. É esse o papel que o FGTS sempre cumpriu”, analisa.

Cortes para habitação, saneamento e infraestrutura

Segundo especialistas, se aprovadas as alterações feitas na Câmara e no Senado, a medida causaria um impacto de cerca de R$ 100,00 bilhões ao Fundo, que é responsável por setores essenciais para a economia. Outro efeito da MP era a extinção do PIS/PASEP e a transferência do seu patrimônio, em torno de R$ 21 bilhões, para o Fundo de Garantia.

Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clovis Scherer, os saques indiscriminados geram impacto negativo no orçamento do Fundo, que financia investimentos em habitação, saneamento e infraestrutura.

Neste ano, explica o economista, mesmo sem a pandemia, já se esperava que a saída de recursos das contas vinculadas ao FGTS seria maior do que a entrada de depósitos. Portanto, o orçamento já seria negativo ou muito baixo. Para Scherer, os saques adicionais que seriam criados pela Câmara e Senado comprometeriam ainda mais a capacidade de financiamento do FGTS. “A preocupação é que, no momento em que precisar de recursos para financiar, por exemplo, a infraestrutura, numa retomada da economia, provavelmente não vai ter”, disse.

Segundo o economista, o problema gera um efeito vicioso. “Na saída da crise, o orçamento será aquém daquele necessário para justamente impulsionar a economia e o emprego. Portanto, isso vai ter uma repercussão para o próprio Fundo, mas, principalmente para o trabalhador, para a economia como um todo, que não vai ter esse agente financeiro fundamental na sua melhor condição. Esses saques vão deixar o Fundo debilitado”, alerta. “O que deve acabar acontecendo é cortar o orçamento de empréstimos do Fundo de Garantia para as áreas a que ele se destina ainda em 2020”.

Somados todos os saques permitidos ao FGTS, o impacto total pode chegar a R$ 100,00 bilhões. A informação é do integrante do Conselho Curador do FGTS, Carlos Gomes da Silva, que representa a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em informação repassada ao jornal Correio Braziliense nesta segunda-feira (3), o conselheiro lembrou que o valor presumido pela Caixa com os saques de R$ 1.045, previstos inicialmente na MP era de R$ 36 bilhões até o final deste ano.

 "As alterações feitas pelo Congresso, que preveem a possibilidade de saque daqueles que pediram demissão mais os que tiveram redução ou suspensão de jornada totalizam R$ 60 bilhões a menos no FGTS", alertou. "Somando aos estimados R$ 25 bilhões de saques por demissão motivada, a perda total do Fundo poderá chegar a R$ 100 bilhões. E, considerando também as permissões de postergar o recolhimento das contribuições e do pagamento dos financiamentos, o conjunto dessas medidas poderão inviabilizar o FGTS", complementou.

“Lastro” do investimento

Ao jornal Estadão, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC), José Martins, demonstrou “total” preocupação e alertou para o risco financeiro do FGTS. "Saques repetidos poderão levar ao limite da insolvência do fundo", disse.

No início da pandemia, a liberação dos saques ao FGTS já preocupava a CBIC. Em abril deste ano, a Câmara realizou um levantamento que demonstrou redução no investimento em habitação e houve retração da atividade econômica e redução de empregos. Acesse aqui .

“Estimativas de aumento do desemprego e a carência de três meses para o pagamento do FGTS pelas empresas terão impacto significativo sobre a liquidez do Fundo, colocando em risco compromissos assumidos: se não forem cumpridos, teremos ainda mais desemprego”, diz o texto.  

Segundo a CBIC, atualmente o FGTS é o “lastro” do investimento em políticas de desenvolvimento urbano e financiamento essencial ao mercado imobiliário. O FGTS garante a criação de 500 mil empregos diretos e mais de 1,5 milhão de postos de trabalho em toda a cadeia produtiva da construção; a contratação de mais de 500 mil unidades habitacionais. Assegura também o benefício a mais de 11 milhões de habitantes, com investimentos em infraestrutura urbana e saneamento básico.   

“A pulverização dos recursos do FGTS tem esvaziado a única fonte de investimento disponível no Brasil. A liberação continuada de saques compromete a execução de projetos de habitação, saneamento e infraestrutura em andamento e reduz a capacidade de financiamento para ações novas. Não haverá crescimento no Brasil que não passe pelo investimento”, analisa o estudo.

Fonte: FENAE

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