Veto de Bolsonaro à ultratividade deixa trabalhador desamparado. Entenda
PACTU
Veto presidencial ao item da Medida Provisória nº 936 que permitia prorrogar os prazos de acordos coletivos até negociar um novo pode deixar trabalhadores desamparados
Jair Bolsonaro (ex-PSL) sancionou a Medida Provisória (MP) nº 936, mas vetou um item que deixa os trabalhadores e trabalhadoras sem proteção e sem direitos conquistados.
O Congresso Nacional incluiu no texto da MP 936 que os Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs) poderiam ser prorrogados enquanto não houvesse um novo acordo. A chamada ultratividade preservava os direitos como piso salarial, jornada de trabalho, vale-refeição, vale-transporte e plano de saúde, entre outros benefícios.
A aprovação da ultratividade era uma luta da CUT e demais centrais para que os trabalhadores mantivessem esses e outros benefícios, principalmente durante este período da pandemia do novo coronavírus (Covid 19), já que o distanciamento social dificulta as reuniões e votações nas assembleias virtuais.
O texto vetado, segundo o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, era muito importante para dar estabilidade às negociações e manter direitos. Por isso, os sindicatos agora lutam para que o Congresso derrube o veto presidencial. Para isso serão precisos 50% mais um, a maioria, dos votos das duas Casas, Câmara e Senado.
“O veto de Bolsonaro à ultratividade dos acordos e convenções coletivas enfraquece os sindicatos nas negociações e deixa os trabalhadores desamparados, caso as entidades não consigam garantir a manutenção dos direitos até que novo acordo ou convenção seja assinado”, diz Valeir.
O dirigente ressalta que os sindicatos estão habituados a começar as negociações do zero, mas num momento de pandemia começar tudo de novo pode fazer com que os trabalhadores percam direitos há muito tempo adquiridos.
“Estamos falando de conquistas de 40 anos de algumas categorias que podem ser totalmente perdidas”, afirma o dirigente.
Embora a ultratividade nunca tenha existido era comum na proximidade da data base, os sindicatos entrarem na Justiça com pedido de dissídio coletivo, enquanto não havia o julgamento do novo acordo. Na prática se mantinham os direitos, mas desde a reforma Trabalhista de 2017, de Michel Temer (MDB-SP) a ultratividade foi totalmente vetada.
“O Congresso precisa derrubar o veto presidencial a esse item da MP 936. Entendemos que a luta será difícil depois que o ‘centrão’ aderiu ao governo Bolsonaro e outra parte dos parlamentares vota com o Paulo Guedes [ministro da Economia ], mas não desistiremos da luta até colocar os vetos presidenciais em votação”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT.
Bolsonaro sempre a favor dos patrões
Jair Bolsonaro além de vetar a ultratividade tentou dar mais uma forcinha aos patrões ao editar no texto da MP n° 927, que alterava regras trabalhistas já afrouxadas pela reforma Trabalhista.
Entre as medidas havia a prevalência do acordo individual sobre os acordos coletivos e a prorrogação automática de convenções e acordos coletivos por 90 dias, caso os empresários assim quisessem.
A prorrogação dos acordos coletivos, o que a princípio parecia ser uma boa medida, na verdade deixava nas mãos dos empresários esta decisão. Ou seja, o trabalhador continuaria sem proteção.
“O trabalhador de uma pequena loja, por exemplo, que tenha o contrato coletivo vencido, dificilmente teria este contrato renovado nesta pandemia “, avalia Valeir.
Para o advogado especialista em Direito do Trabalho, Fernando José Hirsch, do escritório LBS, se o empresário quisesse de fato manter os benefícios do trabalhador bastaria continuar pagando até um novo acordo.
“De fato a MP 927 só favoreceria o patrão”, afirma Hirsch.
A MP 927 perdeu a validade no último dia 19 de julho porque não foi votada pelo Congresso Nacional dentro do prazo de 120 dias previstos por lei e, portanto, voltou a valer o texto da Consolidação das Leis do trabalho (CLT) reformadas por Temer.
“A MP vai embora da mesma forma que ingressou no ordenamento jurídico, sem qualquer diálogo social. Os trabalhadores não sentirão sua falta”, acredita Hirsch.
No entanto, o advogado alerta que com o fim da sua validade algumas dúvidas e inconstitucionalidades na interpretação e aplicação da MP não desaparecem.
Veja como ficam seus direitos com o fim da validade da MP nº 927
Acordo coletivo X individual
A MP permitia ao patrão no período da calamidade pública, instituir unilateralmente ou por acordo individual , mudanças contrárias ao que já havia sido acordado anteriormente na lei e em normas coletivas.
Com o fim da MP, agora fica proibido fazer individual de trabalho contrário à lei ou norma coletiva.
“Este era o ponto mais prejudicial ao trabalhador que mesmo com sua categoria tendo feito um acordo coletivo preservando seus direitos poderia ser obrigado assinar um acordo individual em contrariedade ao anterior, sem proteção”, diz Hirsch.
Férias
A MP de Bolsonaro dava direito ao patrão em comunicar as férias em apenas 48 horas, mesmo que o trabalhador não tivesse cumprido o tempo necessário para obter o descanso.
Além disso, o pagamento do valor das férias poderia ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao seu início e o 1/3 da remuneração sobre as férias poderia ser pago no final do ano junto com o 13º salário.
Agora voltam as regras validadas pela CLT. A comunicação das férias deverá ser feita pela empresa com 30 dias de antecedência. O pagamento sobre elas e mais o 1/3 deverá ser realizado em 48 horas antes do início do período de descanso, desde que o trabalhador já tenha cumprido o mínimo de 12 meses de trabalho para a sua obtenção.
“Toda a programação da MP foi feita para atender a logística da empresa que poderia obrigar o trabalhador a sair de férias mesmo que ele não tivesse se programado para isso, e com a vantagem de jogar o pagamento que ele teria direito mais à frente”, afirma o advogado trabalhista.
Teletrabalho / home office
Durante a pandemia, o trabalho feito em casa, o chamado home office ou teletrabalho, poderia ser comunicado pela empresa com antecedência de apenas 48 horas e ainda de forma compulsória e unilateral, sem que o trabalhador pudesse negociar.
Com o fim da MP, o empregador precisa da concordância do trabalhador por escrito ou acordado coletivamente com o seu sindicato para mantê-lo em home office.
“A empresa se quiser que o trabalhador volte ao trabalho presencial terá de comunicá-lo com 15 dias de antecedência. O mesmo vale para o trabalhador que hoje está em atividade presencial e a empresa quer que ele trabalhe em casa. Nos dois casos é preciso avisá-lo com duas semanas de antecedência”, avisa o advogado.
Banco de horas negativo
Se a empresa decidisse afastar o trabalhador e manter o seu salário ela poderia colocar as horas que ele não trabalhou num “banco de horas negativo”.
Com isso, se o trabalhador devesse 80 horas ,por exemplo, ele teria de pagar o período em até 18 meses, desde que a compensação não ultrapasse duas horas diárias.
Já a CLT dá um prazo menor de pagamento das horas negativas: 6 meses.
“A pergunta que fica é: o banco de horas negativo na vigência da MP poderá ser compensado em 18 meses ou limitados aos 6 meses da CLT?, questiona Hirsch, que acrescenta “parece mais razoável interpretar pela compensação das horas negativas em 18 meses, pois é mais benéfica para o empregado, afirma o advogado.
Mas, segundo ele, se a Justiça do Trabalho interpretar que o trabalhador terá seis meses para pagar as horas negativas da pandemia, a dúvida é como ficará a situação de quem não pagou todas as horas devidas porque os seis meses foram insuficientes.
Exigências Administrativas
Durante a vigência da MP ficaram suspensas as exigências administrativas de segurança do trabalho, como exames nas admissões e periódicos, cursos para integrar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), entre outros. Apenas era obrigatório o exame demissional.
Com a perda da validade da MP 927, essas exigências voltam a ser obrigatórias.
“Apesar da queda MP 927 minha recomendação é que sejam celebrados acordos coletivos ou convenções coletivas regulando todas essas matérias para dar maior segurança jurídica para as relações e proteger os trabalhadores”, conclui Fernando Hirsch.
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