Classe média e pobres sentem disparada nos preços dos alimentos e reduzem consumo
PACTU
Os preços dos produtos nos supermercados de São Paulo registraram alta de 2,24% no mês passado – um salto de 1,14% em relação a agosto. É o maior índice para setembro desde a criação do Real, em 1994
Os preços dos produtos vendidos nos supermercados de São Paulo registraram a maior alta para o mês de setembro, desde a criação do Plano Real, em 1994, levando paulistanos de classe média e pobres a mudar hábitos, trocar marcas caras pelas mais baratas e até deixar de comprar alguns itens por falta de dinheiro.
O Índice de Preços dos Supermercados (IPS), calculado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas) e pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe ), registrou alta de 2,24% em setembro - um aumento de 1,34% em relação a agosto que havia registrado alta de 0,90% nos preços.
Este é mais um dado que comprova a disparada nos preços de alimentos e de outros produtos essenciais utilizados no dia a dia das famílias brasileiras. A última pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) registrou alta de 4,33% nos preços dos alimentos que compõem a cesta básica, em São Paulo.
A alta generalizada nos supermercados está obrigando o consumidor a mudar os hábitos alimentares e de consumo, caso contrário não conseguem fechar o orçamento doméstico no final do mês.
Este é o caso da bancária aposentada Maria Eugênia Francisco, praticamente uma expert no acompanhamento de preços dos supermercados. Apesar dos seus rendimentos, somados aos dos outros dois membros adultos da sua família, atingirem o que os economistas chamam de classe média, ela percorre semanalmente de cinco a seis supermercados instalados perto da sua casa na zona oeste de São Paulo, para buscar os melhores preços. Se fossem distantes, segundo ela, não valeria o preço da gasolina. Ainda assim, a percepção não é nada boa.
“Cada supermercado tem algum produto mais em conta. Em um compro óleo, azeite e leite, em outro sei que os produtos de limpeza são mais baratos; no terceiro compro carnes e aves, no quarto compro café, arroz e feijão e ainda passo em outros dois vendo se há alguma oferta, que aliás estão cada vez mais escassas”, diz Maria Eugênia.
Mesmo com tanta pesquisa, a aposentada conta que em janeiro deste ano a compra básica de supermercado da família ficava em torno de R$ 1.800,00. Hoje está em R$ 2.300,00, apesar das mudanças nos hábitos alimentares – deixa de comprar itens da alimentação que subiram demais -, e de consumo, ou seja, troca de produtos de marca conhecida e mais caros por outros mais baratos de marcas que ela nem conhece.
“Nós diminuímos muito o consumo da carne vermelha substituindo por frango, porco e aumentando a quantidade de legumes e grãos como grão de bico e couve nos pratos. O peixe você não encontra por menos de R$ 30,00 o quilo e como não rende para uma família grande, fica proibitivo”, afirma.
Maria Eugênia chega a listar os preços de produtos que mais aumentaram nos supermercados da região em que mora. De acordo com ela, não foram apenas o arroz e o óleo que subiram de preço assustadoramente.
O molho de tomate custava em junho R$ 1,29, hoje está em R$ 1,89. O quilo do açúcar orgânico de R$ 4,29 subiu para R$ 5,49. O espaguete de R$ 2,35 foi para R$ 3,39. No pacote de pão de forma de sua preferência ela pagava R$ 5,99 e hoje quase R$ 9,00; o sabão de coco em pedra, de R$ 2,39 a unidade subiu para R$ 3,69. Na feira, a dúzia das laranjas lima e pera de R$ 5,00 passou a custar R$ 8,00.
“Até mesmo o preço da ração da nossa cachorra aumentou absurdamente. O pacote de 15 quilos da orgânica custava R$ 189,00, agora está em R$ 226,00. A desculpa é que a ração é feita de arroz. Mas, se nós mudamos nossos hábitos alimentares, a cachorra também pode e agora ela come ração transgênica”, conta rindo, apesar da preocupação com os preços e com a saúde do seu animal de estimação.
Este “luxo” de comer produtos orgânicos não tem e nunca teve a faxineira Clécia de Oliveira Santos, de 46 anos. Para não sair do seu orçamento de R$ 2.000,00 mensais pagando todas as contas, sem estourar, ela simplesmente deixa de comprar.
Em seu dia a dia, Clécia não tem tempo de percorrer diversos supermercados em busca de preços melhores. Do lado oposto da cidade, em São Miguel Paulista, na zona leste, a faxineira conta que vai a apenas dois supermercados com a lista de compras que faz quinzenalmente.
“Eu levo a lista, mas o custo tem de caber nos R$ 600,00 que tenho para gastar. Quando eu vejo que não vai dar porque os preços estão altos, simplesmente não compro e vou a outro supermercado, mas nem sempre dá para fazer isso. Na feira é a mesma coisa. Levo R$ 30,00 para comprar legumes e frutas. Gasto o que tenho, mas não compro a mesma quantidade de antes. No mínimo são 10% a menos do que comprava”, diz Clécia.
Divorciada e tendo de custear as despesas da filha caçula de 15 anos, pois o ex-marido não paga pensão, a faxineira tem substituído a carne vermelha por frango e cortado pequenos prazeres como guloseimas: biscoitos, sucrilhos e iogurtes.
“Eu não aguento mais ver frango na minha frente, mas é o que dá pra pagar. E se eu quiser um requeijão ou tomar um iogurte, vou ao centro da cidade onde tem uma loja que vende produtos prestes a vencer a validade. Um litro do que eu gosto custa em torno de R$ 10,00. Lá, eu pago a metade, R$ 5,00 porque vai vencer em 15 dias. Nesse tempo eu consigo consumir e não desperdiçar”, conta a faxineira.
A preocupação de Clécia com os preços dos supermercados pode se tornar uma dor de cabeça ainda maior. O governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) cortou a quantidade de pessoas que receberia do auxílio emergencial e ela não vai receber os R$ 300,00, que diz ter direito.
“Eu recebi os R$ 600,00 e agora o governo corta, sem dizer o motivo. Eu não tenho carteira assinada, não tenho comprovação de renda, não recebo pensão, não entendo os critérios do corte no auxílio emergencial”, diz Clécia que viu seus rendimentos caírem com a perda de clientes de faxina, e que sem o auxílio emergencial vai ficar ainda menores.
Variação de preços nos supermercados paulistas
O Índice de Preços dos Supermercados (IPS) acumula alta de 8,30% entre janeiro e setembro e de 12,01% em 12 meses, bem acima da inflação oficial do país, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O índice de Preços ao Consumidor Aplicado (IPCA) registrou alta de 1,34 no ano e 3,14% nos últimos 12 meses.
Nos supermercados o maiores responsáveis pela alta de preços são o óleo de soja que acumula alta de 61,75% e de 72,31% em 12 meses e o arroz, que subiu respectivamente 47,04% e 51,26%, nos mesmos períodos.
Em setembro, também ficaram mais caros o leite (7,26%) e derivados como a muçarela (7,73%), queijo prato (5,8%) e leite condensado (3,19%). Além das carnes bovina (4,77%), suína (6,96%) e de frango (1,67%), com avanço em cortes populares como contrafilé (7,81%), acém (6,68%) e coxão duro (9,7%).
Os produtos que baixaram de preço foram o chuchu (-20,25%), mamão (-18,3%) e batata (-11,89%). O feijão também registrou queda de 1,78%.
*Edição: Marize Muniz
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