Morre em São Paulo Eny Moreira, defensora de perseguidos pela ditadura
PACTU
Morreu nesta terça-feira (4/1) a advogada Eny Raimundo Moreira, aos 77 anos, em São Paulo. Natural de Juiz de Fora (MG), a defensora teve atuação destacada na defesa de presos políticos em tribunais militares durante a ditadura militar (1964-1985).
O presidente do Conselho Federal da OAB, Felipe Santa Cruz, lamentou a perda. "Advogada combativa que resistiu ao regime militar defendendo perseguidos com coragem e heroísmo. Ela nunca aceitou calar-se diante do autoritarismo. Que Deus a conserve em bom lugar e console os seus entes queridos", afirmou.
Eny foi criadora do Comitê Brasileiro pela Anistia e escreveu o livro Brasil: nunca mais. A notável atuação da advogada em defesa dos direitos humanos também é tema do livro Os advogados e a Ditadura de 1964 – A Defesa dos Presos Políticos no Brasil, organizado pelos professores Fernando Sá, Oswaldo Munteal e Paulo Emílio Martins, e publicado pelas editoras PUC-Rio e Vozes, em 2010.
A obra faz o relato da atuação de outros defensores, como Airton Soares, Dalmo Dallari, Eny Moreira George Tavares, Heleno Fragoso, Luís Eduardo Greenhalgh, Marcelo Alencar, Marcelo Cerqueira, Mário Simas, Modesto da Silveira, Sigmaringa Seixas, Sobral Pinto, Técio Lins e Silva e Wilson Mirza e Paulo Hélio Bicudo.
Em 2012, Eny Moreira deu depoimento à Comissão Nacional da Verdade. A advogada lembrou dois casos em específico. Um deles foi o de Aurora Maria Nascimento Furtado, que foi torturada e morta aos 26 anos. Ela também mencionou o desaparecimento de Ísis Dias de Oliveira e narrou seus esforços para encontrá-la e o sofrimento de sua mãe. Na ocasião, Eny Moreira disse que os advogados que atuaram na defesa de perseguidos pelo regime ditatorial não eram corajosos, mas "tinham uma enorme capacidade de se indignar com a violência".
Altiva na defesa de seus clientes, Eny Moreira também sofreu com o arbítrio em tempos em tese já democráticos. Ela teve voz de prisão decretada em 3 de fevereiro de 1994 por determinação de parlamentares que compunham a CPI da Previdência. Durante uma acareação entre dois acusados de cometer fraudes contra a Previdência Social, um deles seu cliente, Eny Moreira insistiu em seu direito de fazer apartes para orientar o depoente que representava. Por isso, recebeu voz de prisão. O então presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, José Roberto Batochio, saiu em defesa da advogada e foi ao Ministério Público com representação por crime de abuso de autoridade contra os parlamentares.
No dia seguinte, em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Luís Francisco Carvalho Filho escreveu: "A prisão da advogada cobre de vergonha o Congresso Nacional: Eny Moreira teria usado a palavra para denunciar a coação imposta ao seu cliente. É coação mesmo. Ela cumpriu um dever profissional. Sua prisão lembra os tempos do regime militar". No Jornal do Brasil, o advogado Antonio Carlos Barandier também bateu forte: "Hoje é a violência contra a advogada. Amanhã os inquisidores e a multiplicidade de dispositivos repressivos poderão voltar-se contra os intelectuais, os dissidentes e oposicionistas, clamando pela ordem política e social, a paz dos cemitérios. O AI-5 era menos hipócrita e mais econômico".
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