Pochmann: Brasil precisa de uma reforma financeira profunda
PACTU
O projeto de lei 4188/21, que permite o uso do imóvel de família como garantia de empréstimos e, por consequência, a possibilidade de penhora desse bem para quitar a dívida no caso de inadimplência, foi aprovado na Câmara dos Deputados no início deste mês. Agora tramita no Senado.
De autoria do Poder Executivo, a proposta - que cria o marco legal das garantias de empréstimos - prevê mudanças nas normas que regulamentam as transações de tomada de empréstimos em instituições financeiras e os bens dados como garantia em caso da não quitação da dívida.
O objetivo é reduzir os juros, barateando o custo do crédito no Brasil. Mas o propósito do governo Bolsonaro soa como um dos piores possíveis no pais em que a proporção de famílias com contas e dívidas em atraso aumentam a cada mês.
Para falar sobre o tema, o Reconta Aí conversou com o economista e presidente do Instituto Lula Marcio Pochmann. Confira os principais pontos da entrevista.
Reconta Aí - Como se não bastasse o governo tentar se desfazer das empresas públicas, agora os brasileiros correm risco de perder seus imóveis como garantia de dívidas com o novo marco de garantias, que tramita no Senado. Como avalia o projeto que coloca em risco o patrimônio moradia em vez de abrir acesso ao crédito?
Marcio Pochmann - É preciso compreender que o capitalismo brasileiro está há oito anos sem saber o que é crescimento econômico, geração de nova riqueza. Os capitalistas vivem fundamentalmente da valorização do estoque da riqueza velha. E para que consigam continuar aumentando a renda e a riqueza é necessário que o país passe a ter uma absorção absoluta da renda dos mais pobres.
Isso se dá pelo próprio processo de inflação, pela elevação das taxas de juros, pelo endividamento das famílias e agora inclusive a absorção do patrimônio de famílias que não conseguem pagar a dívida contraída no financiamento da habitação popular.
Penso ser difícl aprovar no Congresso Nacional diante da identificação de inconstitucionalidade por juristas, mas de toda maneira a medida conduzida para o parlamento e aprovada na Câmara indica o quanto nós temos uma representação política comprometida com os interesses do andar de cima da sociedade
A população, que segue pressionada pela redução na renda e cada vez mais superendividada para sobreviver, pode ter uma falsa promessa de melhoria das condições de acesso ao crédito com o marco das garantias. A quem visa atender a proposta? Instituições financeiras?
O Brasil segue com problema estrutural no seu padrão de financiamentos. De um lado, os governos pós golpe de Temer e Bolsonaro aniquilaram o sistema público de financiamento. Isso pode ser visto na gestão privada dos bancos públicos como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Basa, especialmente o BNDES contraiu enormemente seu papel de financiamento do desenvolvimento brasileiro.
E ao setor privado ele não consegue se desconectar do seu compromisso com a financeirização da riqueza, com a valorização do patrimônio dos ricos, absorvendo recursos dos mais pobres. O Brasil precisa de uma reforma financeira profunda que reorganize o sistema de financiamento de médio e longo prazo, abrindo espaço para criação de uma multiplicidade de financiadores, como os bancos comunitários, que podem utilizar inclusive a moeda social como um novo mecanismo de garantia de financiamento para as iniciativas de menor porte e também a economia solidária
Como avalia o PL no momento em que 3 em cada dez brasileiros têm contas ou dívidas em atraso? Vai aumentar o número de famílias que podem ficar sem teto?
O endividamento é a forma pela qual a plataforma de financeirização estabelecida no Brasil absorve renda absoluta dos mais frágeis. Num país que está há oito anos sem crescimento econômico, sem geração de riqueza nova, os ricos seguem mais ricos justamente através de mecanismos que valorizam o estoque da sua riqueza acumulada.
E num país em que a riqueza não cresce, obviamente as transferências de renda dos mais pobres aos mais ricos têm sido cada vez mais sofisticadas. Seja pela inflação, seja pela ausência de correção da tabela de imposto de renda - que faz com que o governo absorva tributos utilizados para pagamento do próprio serviço público, seja inclusive nos mecanismos de endividamento que faz com que as famílias sem renda suficiente pra sobreviver se endividam, comprometendo as possibilidades de ter um futuro melhor.
O país hoje passa por uma situação dramática com desemprego, falta de moradia, juros altos, inflação ascendente. Qual a solução?
O problema brasileiro na atualidade não é econômico, embora existam dificuldades econômicas mas as chave central para solucionar os nossos problemas está na política. É a política que deve estabelecer a equação pela qual a economia deve ser conduzida. O que nós temos visto nos últimos anos é que a economia que é um meio para se atingir os fins estabelecidos pela política passou justamente a ser o fim; a economia como o fim e a política subordinada aos interesses econômicos.
O Brasil tem dinheiro disponível - são cerca de sete trilhões depositados no sistema financeiro disponíveis para aplicações em atividades produtivas e não financeiras. O Brasil é um pais em construção, falta de tudo -de estrutura a habitação - e tem tecnologia para realizar as atividades assim como grandiosa mão de obra. inclusive qualificada pra exercer essas atividades.
Portanto, o Brasil tem dinheiro disponível, tem tecnologia, tem atividades para serem denvolvidas e mão de obra, ou seja, os elementos fundamentais da economia estão disponíveis. A questão é que politicamente isso não se reorganiza em torno da perspectiva do desenvolvimento.
E é por isso que a solução é política, a construção de uma nova maioria que tenha por horizonte a defesa do desenvolvimento nacional que passa pela criação do pleno emprego e distribuição da renda gerada da construção de uma cidade mais justa.
Deixar comentário