Inflação agrava o endividamento das famílias, enquanto bancos lucram mais

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( Reprodução )
Inflação agrava o endividamento das famílias, enquanto bancos lucram mais
A proporção de famílias com contas em atraso atingiu 28,6% do total

Percentual de famílias com dívidas a vencer chega a 78% em abril e o lucro dos bancos, ao final do 1º trimestre, bateu R$ 27 bilhões

Quanto mais difícil o cenário econômico no Brasil, mais crescem os lucros dos bancos. Os bancos lucram cobrando taxas de juros exorbitantes e elevadas tarifas bancárias, enquanto as famílias enfrentam sérias dificuldades. A íntegra desse estudo se encontra na 22ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), disponível em: www.uscs.edu.br/noticias/cartasconjuscs.

De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias com dívidas a vencer chegou a 77,7% em abril de 2022, o maior nível desde janeiro de 2010, início da série histórica. Um ano antes, a proporção de endividados era 10,2 p.p. abaixo (67,5%). A parcela das famílias que declaram não ter condições de pagar suas dívidas e permanecerão inadimplentes (10,9% do total) também aumentou e é a maior registrada desde dezembro de 2020. A inadimplência no período ficou 4,4 p.p. acima do apurado antes da pandemia (fevereiro de 2020).

Com a pressão inflacionária cresce a necessidade de crédito. Mas, com pouco mais de 30% da renda comprometida com o pagamento de dívidas, a proporção de famílias com contas em atraso atingiu 28,6% do total, a maior alta desde março de 2020. De acordo com os consumidores consultados pela pesquisa, o cartão de crédito é o tipo de dívida mais procurado – modalidade com os maiores custos e taxas de juros do mercado.

O endividamento no cartão de crédito atingiu 88,8% das famílias. Alta de 1,8 p.p. no mês e 7,9 p.p. em doze meses. A proporção de endividados no cartão destacou-se entre famílias com renda mais elevada (mais de 10 salários mínimos), chegando a 91,6% e entre famílias com renda mais baixa (de até 10 salários mínimos), chegando a 88,1%.

A pesquisa conclui que a elevação persistente da inflação tem deteriorado os orçamentos domésticos e, com os juros médios de mercado quase 20 p.p. maiores em doze meses, o resultado foi a piora dos indicadores de inadimplência. O endividamento encerrou o primeiro quadrimestre do ano na maior proporção histórica, com tendência de alta.

Dados do Banco Central apontam que, em 2021, a procura pelo rotativo do cartão de crédito (no segmento pessoa física) foi a maior em 10 anos. O crédito concedido pelos bancos no rotativo do cartão de crédito somou R$ 224,7 bilhões em 2021, com alta de 23% em relação a 2020. Maior que a evolução observada em todo o crédito bancário (de 19%).

Ademais, os juros bancários cobrados das pessoas físicas nas operações com o cartão de crédito rotativo chegaram a 349,6% a.a. ao final de 2021, com alta de 21,8 p.p. em doze meses – o maior patamar desde agosto de 2017. Tendo a maior taxa de juros do mercado de crédito do país, dificulta ainda mais a situação das famílias endividadas, tornando quase impagáveis tais dívidas.

Também segundo o Banco Central, o endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional (SFN), em 2021, atingiu 52,6% da renda acumulada nos últimos doze meses, outro recorde na série histórica da instituição. Quase 30% da renda dessas famílias estaria comprometida com o serviço da dívida com o SFN. Em 2020, eram 23,7% da renda.

O país vem passando por um processo de endividamento elevado, mas, além disso, também, de alto desemprego, queda na renda, inflação crescente e, consequentemente, perda de poder de compra da população. Todavia, os grandes bancos do país seguem lucrando cada dia mais. Em 2021, os cinco maiores bancos do país (Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica e Santander) lucraram, juntos, R$ 107,7 bilhões, com crescimento médio de pouco mais de 34% em relação a 2020. Ou seja, independentemente do cenário econômico difícil e da pandemia ter atingido seu pior momento no país, seus lucros seguiram em patamares exorbitantes. E, ao final do 1º trimestre de 2022, não foi diferente. O lucro dos cinco bancos juntos chegou a R$ 27,6 bilhões, com alta média de 15,4% em doze meses, num momento em que o país se encontra com taxas de desemprego e de inflação acima de dois dígitos.

A rentabilidade sobre o patrimônio líquido dos cincos bancos (ROE) variou de 11,0% no caso da Caixa, até 21% no Itaú. Um dos fatores com forte impacto nesses resultados foi o câmbio, que afetou os principais itens da intermediação (receitas com Títulos e Valores Mobiliários (TVM); Resultados com Empréstimos e Repasses e Captações no Mercado).

Os ativos dos cinco bancos somados totalizaram R$ 8,3 trilhões, com alta média de 4,5% em relação a março de 2021. Parte desse crescimento se deve às carteiras de crédito que atingiram R$ 4,2 trilhões, com destaque para o segmento de Pessoa Física e, nesse, destacam-se, justamente, os cartões de crédito e o crédito pessoal.

O resultado do segmento de cartões de crédito PF no Itaú Unibanco atingiu R$ 117 bilhões, com alta de 41,3%; na Caixa, o resultado do segmento foi de R$ 68,7 bilhões, com crescimento de 4,3%; no Bradesco, com pouco mais de R$ 59 bilhões a alta foi de 54,1% no referido segmento; no Santander, chegou a R$ 44,4 bilhões, 30,5% acima do resultado em março de 2021. Por fim, no Banco do Brasil, o resultado com cartões chegou a R$ 49,6 bilhões, com alta de 45,6% no período.

Enquanto cresce o endividamento, os bancos lidam com a perspectiva de alta da inadimplência fazendo estoque de provisões para créditos de liquidação duvidosa (as chamadas PDD ou provisões para devedores duvidosos), as quais geram despesas. Com isso, no primeiro trimestre de 2022, essas despesas subiram, em média, 53,2% nos cinco bancos, totalizando R$ 26,3 bilhões (R$ 9,1 bilhões a mais em doze meses), impactando negativamente em seus lucros, que poderiam ter sido ainda maiores.

Ou seja, os bancos possuem mecanismos para se prevenir à elevação da inadimplência enquanto empresas e famílias seguem em significativa dificuldade financeira, num país com elevada taxa de desemprego e com uma inflação corroendo sua renda. Entretanto, não fossem as abusivas taxas de juros cobradas por esses mesmos bancos, muito provavelmente a situação não estaria tão delicada, com 3 em cada 10 famílias com dívidas em atraso e mais de 10% sem condições de sanar tais dívidas.

Grande parte das famílias está endividada, especialmente no cartão de crédito, ajudando a elevar mais ainda os ganhos já tão significativos dos bancos no país. Como concessões públicas que são, caberia a eles, criar alternativas mais baratas para empresas e famílias saírem dessa condição de endividamento elevado, atendendo ao princípio constitucional de “promover um desenvolvimento equilibrado do país e atender aos interesses da população”, conforme aponta o artigo 192 da Constituição Federal. No entanto, cobram os maiores juros do planeta, gerando uma maior dependência sobre um sistema que penaliza cada dia mais a sociedade.

O que se observa é que, ainda que a economia nacional passe por tantas dificuldades, como inflação e desemprego elevados, com o agravante de estarmos vivendo, ainda, uma pandemia que se arrasta os resultados dos bancos não parecem ser afetados. Muito pelo contrário, seguem exorbitantes e cada vez maiores, independentemente do cenário econômico do país. Ao que parece tais resultados se alimentam, justamente, das condições econômicas desfavoráveis para a população brasileira. Ou seja, quanto maior a dificuldade da sociedade, maiores os resultados dos bancos brasileiros.

Vivian Machado é mestre em Economia Política pela PUC-SP. Atualmente, técnica do Dieese na subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e colaboradora do Observatório Conjuscs

 

Fonte: Contraf-CUT

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