Governo Bolsonaro insiste em vender três refinarias da Petrobras antes da eleição
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Petrobras reabre processo e estende prazo para que compradores manifestem interesse
Faltando pouco mais de dois meses para a eleição, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) resolveu dar novo ânimo a sua agenda de privatização da Petrobras. Com o ministro Paulo Guedes, da Economia, e seus subordinados comandando a estatal, a empresa reabriu o processo de venda de três de suas refinarias e ainda estendeu o prazo para que interessados na compra se manifestem. Tudo isso, enquanto o governo estuda a privatização da própria Petrobras.
As refinarias à venda neste momento são a Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul. As três juntas têm 23% da capacidade de refino do país.
Essas mesmas três unidades haviam sido postas à venda em abril de 2019, ainda nos primeiro meses do governo de Bolsonaro, junto com outras cinco plantas de produção de combustíveis. Na época, a ideia do governo era repassar à iniciativa privada cerca de 50% da capacidade de refino da Petrobras para, em tese, estimular a concorrência no setor e assim tentar baratear o preço da gasolina e do óleo diesel no Brasil.
A Petrobras chegou a formalizar os termos de venda de cada uma dessas refinarias. Em 2021, entretanto, a empresa ainda não havia conseguido vender a Rnest, a Repar e a Refap.
No caso da Rnest, ninguém apresentou proposta formal de compra. Pela Repar, a Petrobras diz ter recebido propostas com preços abaixo do que ela considerava justo. No caso da Regap, a empresa Ultrapar chegou a ter uma proposta aceita pela Petrobras. A negociação, entretanto, não avançou e acabou sendo encerrada.
No último dia 27, porém, a Petrobras anunciou que estava recolocando as três refinarias à venda. O anúncio ocorreu no mesmo dia em que o conselho de administração da estatal aprovou a indicação de Caio Mario Paes de Andrade, ex-assessor de Guedes, para presidência e em meio a uma crise causada pelo preço dos combustíveis no país.
Inicialmente, empresas interessadas nas três refinarias teriam até o último dia 15 para se manifestarem. Justamente no dia 15, a Petrobras ampliou esse prazo para sexta-feira (29), sem dar qualquer justificativa para o adiamento.
Antes dessa decisão, a Agência Estado já havia noticiado que pelo menos dez empresas monitoravam a privatização. Entre elas, estavam as brasileiras Ultrapar e Raízen, as suíças Vitol e Glencore, as americanas Valero e CVR Energy, e as chinesas PetroChina e Sinopec, além do fundo Mubadala, o qual já comprou e assumiu em dezembro o controle da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, cujo nome mudou para Refinaria de Mataripe.
A mesma Agência Estado informou que essas empresas não formalizaram propostas por nenhuma refinaria no prazo por conta da proximidade com a eleição e as discussões sobre o futuro da Petrobras inerentes ao processo eleitoral. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato líder em todas as pesquisas de intenção de voto, por exemplo, já declarou ser contra a venda de ativos da estatal.
Há quem veja um recuo estratégico das empresas nessa negociação. O economista Henrique Jäger, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), declarou ao Sindicato dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) que as empresas querem mesmo é pressionar a Petrobras e comprar as refinarias estatais por preços ainda mais baixos do que os pedidos pela estatal.
Histórico de pechinchas
Das oito refinarias postas à venda pela Petrobras, a Rlam é a única que foi efetivamente negociada e transferida ao seu novo dono, o Fundo Mubadala. O valor do negócio foi fechado em março de 2021: US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 8,83 bi).
Estudo do Ineep aponta que a Rlam valia pelo menos o dobro disso: US$ 3,12 bilhões (mais de R$ 16 bilhões hoje).
O Ineep também apontou vendas abaixo do valor considerado justo no caso da Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, vendida em agosto de 2021; da Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), no Ceará, vendida em maio.
No caso da Rlam, contudo, a perda econômica não fica restrita à Petrobras, mas atinge toda a população da Bahia. O Fundo Mubadala criou uma empresa para administrar a Rlam, a Acelen. Ela, desde que assumiu o controle da refinaria, aumentou o preço do combustível vendido a distribuidores mais que a Petrobras; passou a comercializar os derivados de petróleo mais caros do país; e isso refletiu-se nos postos de combustível. Em março, a Bahia tinha a gasolina e o diesel mais caros do Brasil.
Privatizar para encarecer
De acordo com o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP), o caso da Rlam é exemplar. Deve ser replicado em cada região do país cuja refinaria for vendida.
Dantas explicou que as refinarias da Petrobras foram construídas para que, cada uma delas, atendesse determinados mercados estaduais. No Sudeste, há algumas refinarias atendendo São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, por exemplo. No restante do país, entretanto, cada refinaria é responsável por atender sozinha uma região.
Isso faz com que quase toda refinaria da Petrobras seja dona de um monopólio regional do combustível. Quem compra determinada refinaria compra também seu mercado. Pode então subir o preço da gasolina e do diesel já que não terá concorrentes, exatamente como já fez a Acelen com os combustíveis produzidos na Rlam.
Estimativas calculadas por Dantas apontam que a gasolina seria até 11,5% mais cara em refinarias da Petrobras caso eles já tivessem sido privatizadas. Já o preço do diesel seria até 12% superior ao atual nesse mesmo cenário.
Isso, aliás, num contexto em que os preços dos combustíveis acumulam altas históricas. De acordo com cálculos da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), desde o início do governo de Bolsonaro, em 2019, o diesel nas refinarias subiu mais de 200% –ou seja, triplicou. A gasolina, mais de 160%.
“A venda de refinarias torna o Brasil dependente de importação de refinados e mais vulnerável às variações do preço do barril do petróleo e da variação cambial”, complementou o economista Uallace Moreira, Professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Isso tem impacto direto na inflação, além de tornar a balança comercial do país problemática. Importamos refinados e exportamos petróleo cru.”
Perda para Petrobras
Moreira afirma também que, para a Petrobras, as vendas são ruins já que reduzem a participação da empresa num elo lucrativo da cadeia do petróleo. As refinarias dão dinheiro para empresa. Vendê-las é abrir mão disso e ainda por cima entregar uma atividade estratégica para o país a interesses privados.
A geóloga Rosangela Buzanelli, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Petrobras, acredita que falta visão estratégica do Brasil ao governo Bolsonaro. Por isso, ele pretende vender as refinarias.
“O governo conduz sua petrolífera, a maior empresa nacional, e o país na contramão da soberania e independência energética”, escreveu Buzanelli, em seu blog. “Ao invés de investir no refino, retomando as obras paralisadas e a construção e implantação de novas refinarias, como anteriormente planejado, decide pela venda de metade da capacidade de refino da companhia alegando que os preços cairão com as privatizações e a concorrência, o que já está fartamente desmentido na prática.”
Para Dantas, da OSP, Bolsonaro e Guedes não querem usar a Petrobras para o desenvolvimento do país. Eles, na verdade, falam em privatizar a empresa justamente para buscar apoio político de uma camada da sociedade nas vésperas da eleição.
“Eles querem sinalizar para o mercado a pauta privatista do governo, próximo das eleições”, afirmou. “Como a economia vai de mal a pior, o governo precisa dizer que ele continuará a entregar patrimônio público, para aumentar as chances de apoio eleitoral.”
“Os fatos são incontestáveis”, ressaltou Buzanelli. “A desverticalização e o apequenamento da Petrobrás não estão a serviço do país e de seu povo que a criou, mas do mercado financeiro e de interesses outros não nacionais.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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